Na apresentação de seus objetivos, informo que o boletim procurava focar diferentes aspectos das vivências lésbicas bem como temas referentes à política dos movimentos sociais autônomos. E também quebrar o muro de preconceitos que envolvia e isolava as mulheres lésbicas, criando uma rede de contatos, informações e apoio tanto no Brasil quanto no exterior (já prevendo a rede Um Outro Olhar).
Rosely faz um apanhado do
8º Encontro Nacional Feminista do qual 4 integrantes do GALF teriam participado (só lembro de 3). Ela descreve as oficinas das quais participou e a que coordenou (a do GALF). As oficinas de que participou foram sobre
Sexualidade e Feminismo, Olhares, Racismo e Questão Indígena. E, claro, a oficina sobre Lesbianismo que coordenou.
Me atenho a esta, neste resgate.
Embora, esta oficina fizesse parte da agenda oficial do encontro, no dia de sua execução, não aparecia na lista das oficinas. Tal fato nos obrigou a colocar cartazes no refeitório da colônia de férias do SESC, em Petrópolis, local onde todas as participantes necessariamente os veriam. E, na hora da oficina, que era para mulheres de qualquer orientação sexual, o ginásio já tinha várias mulheres. Ao todo 92 mulheres participaram do evento, tornando-o o de maior participação entre as oficinas do encontro.
Segundo relato de Rosely, após apresentação do GALF para as participantes, ela solicitou que as mulheres se dividissem em 4 grupos para discutir o tema do lesbianismo. Depois de meia-hora, foi dado material para que as participantes criassem cartazes que refletissem as discussões tidas em seus grupos. Foram criados 6 cartazes porque um grupo fez 2 cartazes e duas integrantes do GALF fizeram um com as discussões já tidas no próprio GALF.
Após a apresentação dos cartazes, deu-se um debate sobre os pontos levantados em cada grupo. Rosely registrou alguns, a saber (lembrando que a oficina era para mulheres em geral):
Pontos provavelmente levantados por héteros:☑ Por que as mulheres lésbicas se fecham em guetos?
☑ Como uma mulher heterossexual será recebida num destes locais que integram o gueto?
☑ A repressão social leva à perda
do prazer devido a sua introjeção por parte das mulheres lésbicas?
☑ Ser lésbica é uma opção como a de ser heterossexual?
☑ A relação entre duas mulheres pode reproduzir as desigualdades existentes nas relações heterossexuais?
☑ Existem padrões rígidos de comportamento no gueto?
☑ A masculinização de algumas mulheres lésbicas.
Pontos provavelmente levantados por lésbicas
☑ Não há opção, somos condicionadas a manter a ditadura da heterossexualidade.
☑ Lutar para que exista uma liberdade real de escolha, o que não é possível enquanto perdurar a ditadura da heterossexualidade.
☑ Procurar construir relações que não reproduzam as desigualdades existentes entre homens e mulheres.
☑ Uma aparência masculinizada não significa necessariamente que a mulher esteja reproduzindo o papel social do homem.
☑ Cada uma deveria poder se vestir da maneira que mais lhe agradasse e conviesse.
☑ A reprodução das desigualdades não está na aparência, mas na relação cotidiana que mantêm entre si e com as outras pessoas. A relação fancha-lady pode ser uma criação erótica-afetiva lésbica. Não tem muito a ver com a questão da reprodução dos papéis heterossexuais;
Pontos sobre política em geral levantados
☑ A delicadeza da posição política das mulheres lésbicas no movimento feminista.
☑ Todas as mulheres deveriam se unir para lutar contra toda e qualquer espécie de opressão e discriminação de que somos alvo, por sermos negras, lésbicas, etc. . .
☑ Como tratar a questão do Lesbianismo a nível institucional (escolas, hospitais, etc. )?
☑ Quem cala quanto às opressões existentes consente em mantê-las. Seu silêncio trabalha neste sentido.
Rosely termina seu resgate da oficina refletindo sobre a necessidade de mais debates sobre lesbianismo, porque as mulheres eram muito imbuídas de vários preconceitos padronizados pela
ditadura heterossexual. Afirmava que num próximo encontro o GALF pretendia fazer duas oficinas, uma só para lésbicas (a pedidos) e a outra para quaisquer mulheres.
Sobre a intenção do desdobramento da oficina para dois públicos, Rosely registrou que as lésbicas presentes na oficina requisitaram uma oficina só para lésbicas pois, nas mistas, perdia-se tempo em explicações "didáticas" para as mulheres heterossexuais que queriam saber se entre duas mulheres havia penetração ou como uma mulher heterossexual seria recebida num local que integra o gueto lésbico.
Concordando com o pedido, Rosely afirmou que
[...] para a nossa organização específica, enquanto um movimento
político autônomo, é imprescindível que façamos reuniões exclusivas para
trocarmos experiências e informações que nos possibilitem organizar uma rede
lésbica nacional, quem sabe possível de se concretizar a médio prazo.
Trabalhando neste sentido, com o tempo poderíamos estruturar encontros lésbicos estaduais e nacionais. Esta sugestão de reuniões exclusivas será por nós
encaminhada nos próximos encontros feministas.
Interessante observar que Rosely aqui já falava de um movimento autônomo e de uma rede lésbica nacional que remanescentes do GALF fundarão em abril de 1990, com a Rede de Informação Um Outro Olhar, e em encontros estaduais e nacionais (algo que também será proposto em 1993 pelo grupo Deusa Terra) e que surgirá em 1996 com o I SENALE. Vale comentar, porém, que este seminário foi criado por feministas homossexuais do grupo CEDOICOM, sob o nome Coletivo de Feministas Lésbicas, que caíram de paraquedas no movimento de gays e lésbicas, onde não tinham qualquer lastro, em busca do financiamento governamental que começava a fluir para os grupos LG. Exatamente por ser estranhas no ninho, resolveram inventar a roda que já havia sido criada 17 anos antes de elas aparecerem. E agora tentam usurpá-la.
Rosely termina seu relato dizendo que o saldo da reunião fora bastante positivo para o GALF, que recebera muitos elogios e comentários de que a nossa oficina havia sido a melhor do encontro.
Labrys, p. 6 (Míriam Martinho)
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Diktynna |
Na década de 80, o machado duplo, encontrado em imagens de deusas da Antiguidade (como a da deusa Diktynna ao lado) e das guerreiras amazonas começava a entrar no mercado dos símbolos e ideias como representante da força feminina e sobretudo das lésbicas. Resumi um pouco de sua história na nota abaixo. Hoje o símbolo é bem conhecido. Está presente na bandeira das lésbicas, em imagens as mais variadas, em colares, joias de vários tipos e tatuagens.
Na imagem da deusa Diktynna (2.000 a.C.), da cidade de Cnossos, Creta, Ela aparece segurando dois labrys. Segundo a mitologia, Diktynna vivia no topo do Monte Dikta. Seu nome continua vivo em nossas palavras “ditar” e “editar”.
Poesia - p. 7Poesia era um espaço que eu definia como "para as lésbicas poderem falar de como era bonito, sensual, gostoso e ótimo amar outra mulher." Nesse sentido, sempre busquei trazer poesias de teor romântico e erótico de autoras conhecidas e desconhecidas que apreciavam escrever poesias, mais ou menos elaboradas, atividade pela qual lésbicas sempre tiveram predileção. (Míriam)
Neste número 11, escolhi três poesias, uma de Eliz, Ana Valim e uma minha, as três tematizando o amor lésbico superando as perseguições patriarcais e os encontros amorosos e eróticos.
Em Declaração, Eliz faz um resgate da opressão histórica das mulheres e dos amores entre elas pelas instituições patriarcais, em especial a nada santa madre igreja. Para a autora, apesar de rasparem nossas cabeças, taparem nossos olhos, acoitarem nossos corpos, caminhamos na contra mão da moral e dos dogmas. Apesar dos silêncios enlouquecidos dos despossuídos, o padre-santo não nos acossa mais do alto da catedral, os vitrais refletem seus seios temerosos, os santos assexuados desbotam de nossas lembranças, os anjos perdem as asas, rasgam as vestes e se oferecem sem culpa à nossa festa.
Em
Lúcia, Ana Valim convida a amada, Lúcia, para vir com ela, numa manhã tranquila, a um encontro amoroso a fim de saciar o amor e as saudades de seu coração demente, arrancando a roupa numa
forragem literalmente salpicada por sucos ardentes e canções banais que só nós vivemos em posição pélvica.Em Além Mares, brinco com um crush que desenvolvi por uma gringa de cabelos castanhos claros e olhos azuis, lábios róseos, professora de inglês e proprietária de um delicioso sotaque em português. Brinco com as conquistas europeias e os amores miscigenados que moldaram o Brasil e foram mais importantes, entre o desejo e angústia que os geraram, do que as velhas revoluções de qualquer ordem. Porque não só de guerras vivem as bandeiras. Um antídoto ao mundo tribalista e antiocidental de hoje.
Dicas de Leitura - p. 8
As dicas de leitura foram aumentando na medida em que o GALF ia recebendo e ou adquirindo mais material. Além de listar o material para cópias, também comecei a acrescentar a essa seção lista de grupos e anúncios, com anúncios do próprio GALF como o "Precisa-se de Diagramadora". No número 10, eu já havia colocado um anúncio solicitando datilógrafa. Eu ficava muito sobrecarregada com a feitura do boletim porque era pau para toda a obra. Mas, de fato, só vou conseguir delegar a diagramação, ao menos, a outras pessoas no boletim Um Outro Olhar.
Nossos Direitos - p. 10 (Zinélia)
Neste artigo, Zinélia, advogada do Recife, associada do GALF, discorre sobre a importância da homossexualidade ser reconhecida juridicamente para ter garantias individuais e coletivas. Argumentava que precisávamos ter proteção legal inscrita na constituição que estava para ser feita porque era do sistema constitucional que emanava o disciplinamento de outros sistemas como o penal, o civil, o trabalhista, etc. A homossexualidade considerada juridicamente deixaria de ser anomalia sexual, perversão e, como fato jurídico, deixaria de ser apenas objeto de especulação científica.
Sua proposta era que, seguindo o princípio da isonomia "Todos são iguais perante...." poderia se inserir artigo na Constituição que punisse todos os tipos de discriminação, inclusive contra homossexuais. Concluía que, apesar da oposição inevitável da Igreja, havia mais pessoas abertas a nossas reivindicações e valia tentar.
Entrevista com as candidatas - p. 11 (Rosely Roth, Luiza Granado, Célia Miliauskas)
Entrevista com as candidatas Cassandra Rios, Dulce e Irede Cardoso foi uma quilométrica conversa (mais de 4 horas, segundo Rosely) com as então candidatas a deputada estadual (Cassandra) e a deputadas federais (as Cardoso) realizada no Ferro's Bar em setembro de 1986.
Os temas da entrevista foram obviamente os direitos das mulheres, de gays e lésbicas, negros, indígenas, mais a questão ambiental (na época chamada mais de ecológica) e a das usinas nucleares. E pragmaticamente sobre como as candidatas poderiam ajudar o GALF, se eleitas (ou mesmo não eleitas). Abaixo, resumo em termos gerais das falas das entrevistadas. Nenhuma delas foi eleita.
A entrevistada mais conhecida foi a escritora Cassandra Rios que se candidatou a deputada estadual pelo PDT, a convite do ex-governador paulista Adhemar de Barros. Cassandra, aliás, parece bem vaga sobre algumas questões, demonstrando sua inexperiência política. No geral, porém, suas posições podem ser consideradas progressistas: pelo direito das pessoas poderem ser o que eram (inclusive pelo direito ao casamento homossexual e adoção de crianças por gays e lésbicas, temas quase inéditos na época), pelo salário igual por trabalho igual de mulheres e homens, pela aposentadoria das mulheres após 25 anos, por causa da dupla jornada de trabalho, pela criminalização da discriminação racial no emprego, direito de greve, de ir e vir. Pela preservação das grandes reservas florestais, que a caça fosse proibida, os caçadores punidos com leis mais rigorosas, prisões agrícolas como medida de ressocialização de presos.
Chama a atenção também como a experiência da censura de seus livros pelos militares a marcou e de como o período da abertura do regime já trouxe outro enfoque:
Vale também ressaltar que Cassandra fez desse limão (a perseguição censória à sua obra) um marketing para seus livros que quanto mais perseguidos mais vendiam.
Irede Cardoso foi jornalista da FSP onde tinha uma coluna chamada
Feminismo, participante dos grupos Pró-Mulher e Frente das Mulheres Feministas, e editora do programa Mulher da Rede Globo. Tanto como jornalista quanto como parlamentar (foi vereadora muitos anos), sempre esteve engajada na luta pelos direitos das mulheres
e uma das raras feministas da época a abordar e apoiar os direitos homossexuais . Mais do que a atriz Ruth Escobar que também encampou a luta pelo fim do parágrafo 302.0 do INAMPS que classificava a homossexualidade como desvio sexual, mas não se relacionava diretamente com os grupos homossexuais, Irede mantinha contato permanente com o GALF, foi peça fundamental na mediação com os donos do Ferro's Bar que resultou no sucesso da
"manifestação do dia 19/08/1983," e abria seu gabinete para atender nossos pedidos de impressão do Chanacomchana.
Em 1981, lançou "Os Momentos Dramáticos da Mulher Brasileira" (Global), abordagem sobre a história da mulher no Brasil.
Nesta entrevista, ela demonstra seu engajamento com as chamadas lutas menores, da mulher, negros, homossexuais, etc. que ainda eram pouco abordadas pela esquerda em geral. Mesmo no governo da abertura do general-presidente Figueiredo, as questões específicas dos grupos discriminados eram consideradas divisionistas, menores, diante da luta de classes e contra o regime militar. Para boa parte da esquerda ortodoxa, o feminismo era coisa de burguesa desocupada, a homossexualidade fruto da decadência da burguesia e por aí vai. Em 1986, embora a perspectiva não fosse mais a mesma, porque o poder voltara aos civis, essas questões ainda eram tratadas com certa reticência. Perguntada sobre os pontos principais de seu programa como candidata, ela vai enfatizar os direitos individuais, os direitos do cidadão, pensando também na redação da nova constituição que se avizinhava:
Nessa perspectiva da nova Constituição, Irede disse que endossaria a reivindicação dos movimentos homossexuais de modificar o artigo 153 que ficaria com a seguinte redação:
"Punir todo ato que discrimina a livre orientação sexual de cada pessoa seja hétero, homo ou bissexual." Lembrou que inclusive ela já havia aprovado projeto em São Paulo que caçava o alvará de funcionamento do estabelecimento comercial que discriminasse as pessoas por sua sexualidade, cor de pele, religião, seu sexo, etc. Considerava importante a punição tanto econômica quanto criminal dos atos discriminatórios.
Colocou-se também como defensora do casamento homossexual e da adoção de crianças por casais homossexuais, o que exigiria mudanças no código civil, nas leis ordinárias, pelo estímulo a mais organizações de mulheres, da periferia e das cidades, voltadas para os meios de comunicação, a escrita e a pesquisa, o apoio às organizações do movimento negro, punindo os atos discriminatórios e a adoção de matéria sobre a cultura afro-brasileira nos currículos escolares.
Sobre os índios, a ecologia, as usinas nucleares, Irede se colocava pela preservação das reservas indígenas e contra a exploração mineral de suas terras que considerava estar sendo praticada de maneira bárbara (nada muda neste país). Colocava-se ao lado das nações indígenas, como os da União Nacional Indígena, inclusive como participantes na elaboração da constituinte. Sobre a ecologia, considerava fundamental levar as questões ambientais às escolas, às famílias e aos meios de comunicação para formar uma nova geração com cultura ecológica. Quanto às usinas nucleares, era taxativamente contrária a sua existência, considerando que os recursos hídricos eram suficientes para gerar eletricidade e que as nucleares não tinham aprovação científica nem popular.
Dulce Cardoso foi uma ativista feminista e do movimento negro da década de 80 sobre a qual não consegui infelizmente resgatar mais detalhes. Talvez inclusive porque, como declara em sua entrevista, não tivesse sonhos parlamentares, sua candidatura se desse mais por considerar aquele momento uma tarefa histórica a ser cumprida. Daí não ter dado continuidade a essa via política, pelo visto. Sua entrevista nessa edição do Chana, contudo, foi bem abrangente.
A proposta de sua candidatura para as mulheres incluía a descriminação do aborto (até hoje, nada) e atendimento correspondente, o atendimento da saúde em todas etapas da vida das mulheres, as creches para que as mulheres pudessem deixar seus filhos enquanto no trabalho, o reconhecimento do trabalho doméstico como atividade social, direitos trabalhistas para a mulher do meio rural, salário igual para trabalho igual.
Para gays e lésbicas, dizia que, se eleita, lutaria contra o padrão heterossexual como único padrão de relacionamento sexual, pelo direito à privacidade, a liberdade de expressão e manifestação. O direito de uma mulher beijar a outra em público. E que, se essa expressão fosse reprimida, o opressor deveria ser criminalizado. Consequentemente, defendia a criminalização da hoje chamada homofobia (o termo ainda não tinha muita evidência na década de 80). O direito ao casamento homossexual e à adoção de crianças. Um trabalho educacional contra à heterossexualidade obrigatória.
Quanto à questão negra e indígena, Dulce disse que se precisava garantir que o racismo fosse punido enquanto crime, que era importante resgatar a trajetória dos negros no Brasil e que o país precisava cortar qualquer tipo de relacionamento com a África do Sul em função do apartheid então em curso. No caso dos índios, afirmou que concordava com as reivindicações das nações indígenas: a autonomia dessas nações, o direito dos índios a sua terra, o direito à livre expressão cultural, o resgate da história indígena pelos próprios índios, o apoio para que esses povos pudessem registrar essas produções.
No que diz respeito à questão ambiental e às usinas nucleares, Dulce afirmou:
De uma maneira geral, as três candidatas, falaram em direitos civis, direito de ir e vir, direito ao casamento homossexual e a adoção de crianças por gays e lésbicas (bandeiras dos anos 90), por "salário igual para trabalho igual" (salário igualitário para mulheres e homens), de criminalização à discriminação contra quaisquer grupos vulneráveis, da preservação ambiental e contra as usinas nucleares.
Sobre este último tópico, o das usinas nucleares, havia muita aversão à qualquer coisa ligada a energia nuclear em função da Guerra Fria, da assombração das bombas atômicas e também pelos então recentes desastres de Three Mile Island (1979) nos Estados Unidos e, sobretudo, o de Chernobyl, ocorrido em abril de 1986 na Ucrânia (URSS). Muito tempo depois, o acidente de Fukushima Daiichi (2011) no Japão garantiu que, apesar da segurança das usinas haver aumentado consideravelmente, seus riscos tenham mantido aceso o debate. De fato, embora seja uma energia limpa, comparada com a fóssil, produz lixo nuclear radioativo; utiliza recursos não renováveis (urânio); utiliza muita água nas unidades; o risco de acidentes nucleares permanece elevado e o custo de construção das usinas é alto.
No que diz respeito às ações visando a Constituinte, Irede e Dulce concordavam sobre a necessidade de gays e lésbicas pressionarem os deputados, por via de telegramas e presencialmente, para formar um lobby o mais forte possível a fim de garantir o espaço de manifestação da população durante a elaboração da nova constituição.
De fato isso foi realizado e, presencialmente, a constituinte contou com a participação do advogado João Antônio Mascarenhas, do Grupo de Liberação Homossexual Triângulo Rosa (RJ) que participou de duas subcomissões, a de Direitos e Garantias Individuais da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher e da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Deficientes Físicos e Minorias. Em ambas, Mascarenhas falou da discriminação sofrida pelos homossexuais e da demanda do movimento por ver expressamente proibida a discriminação por orientação sexual na nova Constituição, no parágrafo 1 do Artigo 153 que já proibia a discriminação de qualquer cidadão por credo, cor e sexo. Mascarenhas até conseguiu apoio de parlamentares do PMDB, PT e PCB, mas não o suficiente para conquistar a sonhada inserção da orientação sexual na nova constituinte.
Quanto à colaboração com os grupos de gays e lésbicas, em particular o GALF, Irede e Dulce afirmaram que, se eleitas, seus gabinetes estariam à disposição dessa população, e Cassandra Rios de que doaria direitos autorais de um de seus livros para o GALF (o que não ocorreu).
Dulce afirmou:
De fato, a carência de recursos dos grupos na década de 80 será uma rotina. Após um começo promissor de 1979 a meados de 1981, o chamado MHB inicia um processo de recesso que vai se aprofundando até chegar, já em 1985, muito reduzido. Era possível então se contar o número de grupos nos dedos das mãos, e todos tinham um número diminuto de participantes. A militância dos anos 80 foi para os fortes e realmente comprometidos com a causa dos direitos de gays e lésbicas. O movimento que renasce após 1993 já terá um outro perfil e muitos oportunistas que apareceram atrás do dinheiro dos financiamentos governamentais.
Em Movimento, p. 23 (Míriam Martinho)
Em Movimento eram notas que eu fazia com base em informações advindas de parlamentares, grupos nacionais e internacionais, notícias da imprensa (mídia tradicional e específica) sempre girando em torno da questão homossexual (e especificamente lésbica) e das mulheres.
Serviço de Informação Lésbica Internacional muda de país
Informe do grupo suiço Vanille-Fraise, que sediou o Serviço de Informação Lésbica Internacional (ILIS) por 2 anos e organizou a o 8ª Conferência do ILIS, sobre a mudança do secretariado do ILIS para outro país de preferência do então chamado Terceiro Mundo. Elas informavam que estavam em condições de transferir cerca de R$197.000,00 para o futuro secretariado que cobririam seus gastos e os de uma próxima conferência.
Barra pesada nos EUA
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Lyndon La Rouche |
Impressionante relembrar como ainda em 1986 havia iniciativas tão preconceituosas e discriminatórias contra a população homossexual nos EUA. A Suprema Corte americana, à época, validou as leis contra sodomia ainda existentes em 24 dos 50 estados americanos, implicando poder processar e prender por até 20 anos alguém por "delito de homossexualidade".
Na Califórnia, o político de extrema-direita Lyndon La Rouche (entre outras bizarrices) tentou criar uma quarentena para pessoas com AIDS (também para as apenas com o HIV) que impediria qualquer dessas pessoas de trabalhar em serviços médicos ou de alimentação ou qualquer outro trabalho onde houvesse contatos físicos com o público. Chamada proposta 64, foi felizmente rejeitada em 4 de novembro de 1986, mas entrou para a história das propostas políticas infames.
Projeto de Ajuda a Prisioneiros Homossexuais
A Anistia Internacional não apoiava pessoas perseguidas por serem homossexuais na década de 80, mas começava a mudar de posição em 1986, iniciando uma pesquisa global sobre detenções por homossexualidade. Para apoiar a pesquisa, a Associação Internacional de Gays e Lésbicas decidiu pedir apoio à comunidade gay e lésbica internacional com o objetivo de arrolar casos de pessoas presas por sua homossexualidade em todo o mundo, enfatizando o quanto o apoio da Anistia Internacional seria importante para o segmento.
Primeiro Encontro de Lésbicas Feministas Latino-americanas e do Caribe
Informe sobre a organização do primeiro encontro de lésbicas-feministas latino-americano (que viria ser organizado em outubro de 1987) assumido em Genebra, durante a 8ª Conferência do ILIS, pelos grupos mexicanos. O coletivo de mulheres que se encarregou da organização foi composto por mulheres independentes e integrantes dos grupos Mujeres Urgidas de n Lesbianismo Autentico, Seminário Marxista-Leninista de Lesbianas Feministas e Projeto Editorial El Closet de Sor Juana. Os objetivos eram os mais amplos possíveis, mas podem ser resumidos na proposta de analisar e discutir a situação jurídica, social, científica, cultural, religiosa e política vivida pelas lésbicas nos diferentes países latino-americanos e dar continuidade a ideia de uma Rede de Lésbicas Latino-americanas e do Caribe.
Projeto Gêmeos e GALF
Projeto Gêmeos foi uma iniciativa do Movimento Homossexual e Lésbico do Peru, aprovada pela ILGA, no sentido de incorporar mais grupos latino-americanos à entidade. Consistia no apoio financeiro de um grupo europeu a um grupo latino no sentido de pagar a taxa anual da ILGA e na troca de informações e materiais entre os "gêmeos". O GALF também se incorporou a esse projeto.
É assim mesmo -p. 26 (Marina) Em É assim mesmo, Marina, associada do GALF de Belo Horizonte, descreve um caso de uma jovem supostamente violentada por 4 lésbicas, suas vizinhas, que a convidaram para uma festa em seu apartamento (delas), a drogaram e agrediram sexualmente. Marina soube da situação porque era plantonista de um CVV para onde a garota de 16 anos ligou em busca de ajuda.
Um tanto incrédula com a história, Marina insistiu que a garota comparecesse a uma entrevista ao vivo, onde constatou que ela havia realmente sido agredida, pois estava com os seios roxos, arranhados, inchados. Soube também depois, provavelmente pela ginecologista que atendeu a garota, de que a extensão dos ferimentos vaginais era grande, pois as mulheres a violentaram com um dildo. Entretanto, o máximo que pode fazer pela garota foi lhe conseguir uma ginecologista e um psiquiatra, já que ela relatou viver com uma tia que, se soubesse do ocorrido, a poria pra fora de casa. Marina relata que após conseguir a ginecologista e o psiquiatra para a jovem, ela sumiu, nunca mais fez contato.
Marina concluiu seu relato refletindo sobre a reprodução dos papeis masculinos nas relações entre mulheres a ponto de se chegar a agressão sexual de uma menor de idade. Partindo do verso da música Super-Homem (1979), de Gilberto Gil, "minha porção mulher é o melhor que trago em mim agora", Marina pontuou:
Marina coloca feminino entre aspas pela consciência de que essas qualidades atribuídas às mulheres são fruto de uma socialização desde o berço e não naturais como apregoam conservadores e transativistas. Mulheres podem ser muito cruéis também se surgirem condições para exerceram suas maldades Entretanto, a socialização para as ditas qualidades femininas adestram as mulheres para serem mais ternas e sensíveis. Fora que a condição de subordinação do sexo feminino contém o lado violento das mesmas que acaba se desviando pra múltiplas violências verbais. No entanto, a empatia, como qualidade humana e não só das mulheres, merece ser sempre evocada como métrica para os relacionamentos humanos. Qualidade que, diga-se de passagem, está mais fugidia do que nunca nos dias de hoje.
Outras Mulheres - p. 28 (Célia Miliauskas)
Resenha do livro Outras Mulheres (Editora Imago, 1986) feita por Célia Miliauskas. O romance trata do relacionamento terapêutico entre Caroline Kelley e Hannah Burke. Caroline é a paciente de 35 anos, enfermeira, mãe de dois filhos, casada com outra enfermeira que quer a separação, em crise existencial.
Hanna, a terapeuta, é uma inglesa de cerca de 60 anos, casada com um americano com quem teve 3 filhos, dois deles mortos num acidente, acidente que a levou a se tornar terapeuta.
Segundo Célia, apesar da crise existencial de Caroline em fim de caso com a namorada, a história não resvala para enredo preconceituoso, comum no período. Pelo contrário, a autora parece conhecer o mundo lésbico e apresenta personagens familiares a todas as lésbicas.
O enredo do livro gira em torno das sessões terapêuticas entre Caroline e Hanna e as alterações que ocorrem na vida de ambas a partir desses encontros profundos e transformadores. Segundo Célia, esse relacionamento evolui da animosidade e relutância para a confiança, afeição e admiração mútuas. Por fim, Célia afirma que:
Troca-cartas (p. 30)
Para um bom papo, aquela transa, um grande amor
Neste troca-cartas, dei continuidade aos anúncios mais personalizados, que viraram regra, com indicações de passatempos e o tipo de contato que as anunciantes queriam, se para compromisso, amizade, transa. A seção ocupou 2 páginas e meia desta edição revelando seu sucesso crescente. A maioria dos classificados desta edição foi de mulheres de São Paulo, tanto capital e região metropolitana quanto do estado (35). Seguidos de anúncios dos estados da BA (5), MG (4), RS (3), PR (3), ES (1), MS (1), GO (1).
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