Cerveja Sapatista: criada por uma mulher lésbica e premiada em uma indústria masculina. (Foto: Renata Fetzner) |
Uma coisa interessante que as lésbicas das últimas gerações fizeram foi ressignificar positivamente a palavra sapatão, considerada pelas gerações passadas de lésbicas uma palavra só pejorativa, usada pela sociedade preconceituosa para agredir as mulheres que amam mulheres. Houve até quem quisesse tirar de circulação a marchinha Maria Sapatão do Chacrinha, que popularizou o termo. Pessoalmente, nunca vi nada demais na marchinha que inclusive diz :
"O sapatão está na modaO mundo aplaudiu
É um barato
É um sucesso
Dentro e fora do Brasil"
Parece que o Chacrinha previu que as sapatas fariam sucesso (ver Origens do termo sapatão) inclusive no mundo do empreendedorismo. Sapadaria, Sapatista, Sapanavalha, Sapa Mística são os nomes dados aos negócios das lésbicas que a Hype entrevistou pelo Dia do Orgulho Lésbico deste ano. O texto que reproduzo abaixo é da jornalista Veronica Raner.
Míriam MartinhoSapadaria, Sapatista, Sapanavalha, Sapa Mística. Os nomes de empreendimentos liderados por mulheres lésbicas não escondem o orgulho que existe por ser quem se é. Elas atuam nos mais variados ramos e usam seu talento — seja para entender os astros, fazer pães ou fermentar cervejas — também como uma forma e levantar a bandeira do Orgulho Lésbico todos os dias.
Neste 19 de agosto, Dia do Orgulho Lésbico, o Hypeness conta a história de 7 “mulheres sapas” que decidiram empreender na cara e na coragem, sem esquecer da militância.
O dia do Orgulho Lésbico é comemorado no dia 19 de agosto por conta de um fato ocorrido em 1983. Naquele ano, a ativista lésbica Rosely Roth e outras militantes ocupara o Ferro’s Bar, em São Paulo, para protestar contra agressões lesbofóbicas que vinham ocorrendo nas semanas anteriores. (De fato, invadimos o bar porque nos proibiram de vender o ChanacomChana lá)
Roberta Pierry toca a Cervejaria Sapatista praticamente sozinha. Sem um espaço próprio para a produção de suas “geladas”, ela passa as receitas e o material para fábricas devidamente registradas e recebe o produto finalizado.
Entre os rótulos, cujos designs foram feitos por uma amiga, faz homenagens a mulheres importantes na luta feminista. A exemplo disso está a Maria da Penha, feita com polpa de butiá. A cerveja foi premiada com a medalha de bronze no Concurso Brasileiro de Cervejas, o maior do ramo no país. “Quando anunciaram que quem podia comemorar também era a Cervejaria Sapatista… Nossa! É sobre isso, sabe? Ser destaque naquele salão cheio de macho. Dar lugar e visibilidade é uma forma de quebrar preconceitos em vários lugares”, ressalta.
Roberta conta que sempre foi muito envolvida com movimentos sociais. “Acho que eu misturei um pouco de todos esses desejos, aprendizados e formas de se posicionar no mundo dentro do que é a Sapatista. O nome vem da minha identidade sapatão, de mulher sapatão, mas também carrega o trocadilho com o Movimento Zapatista.”
Para a empreendedora, o nome da marca também ajuda a quebrar estigmas sociais e a mostrar que ninguém, diferente da cerveja, ninguém precisa usar um rótulo.
Eu quis trazer essa pegada de mulher sapatão justamente para quebrar o estereótipo de que mulher precisa ser a mulher feminina. E também trazer mulheres para esse meio da cerveja. Você pode ser mulher do jeito que você quiser e você pode beber o que quiser.”
A carioca Alessandra Calado e suas criações: cuecas femininas. |
Alessandra Calado criou marca de cuecas femininas a partir de uma necessidade pessoal
A carioca Alessandra Calado (@librtaoficial) conta que a Librta nasceu de uma necessidade pessoal. Por experiência própria, ela sempre teve muita dificuldade em comprar peças íntimas. As cuecas que usava nunca ficavam confortáveis o suficiente ou “eram muito feias”, como ela mesma diz.
Durante anos, ela pensou em colocar o negócio em prática: fazer suas próprias cuecas. Mas foi apenas durante a pandemia que o negócio saiu do papel. Hoje, a Librta é uma micro empresa que fabrica e comercializa cuecas para mulheres, feitas por mulheres. Inclusive, quem faz as embalagens dos produtos é a mãe de Alessandra, a quem ela chama carinhosamente de “gerente de tudo”.
Eu passei uma boa parte dessa caminhada estudando qual seria o tecido, se teria um forro, se não teria. Eu não sou desse ramo, sou formada em administração e tenho pós nessa área, mas tudo nasceu de uma paixão”, lembra.Foi no curso de pós-graduação que Alessandra conheceu uma pessoa que trabalhava na indústria têxtil. Só então que a empreendedora começou a estudar tipos de tecido e a entender como fazer seus modelos de cueca.
A Librta me trouxe muito isso: pessoas que compraram o meu sonho”, diz.Atualmente, as vendas da Librta são feitas por estoque, mas aos poucos a empresa vai passar a trabalhar por demanda.
A gente tem cinco coleções e estão vindo mais duas aí. Em um ano, a gente já atendeu quase todos os estados do Brasil.”
Catharina Fischer abriu a Sapadaria durante a pandemia
A pandemia também fez Catharina Fischer (@_sapadaria) a investir em um antigo sonho. Cozinheira há quase dez anos, ela já havia trabalhado em diversos restaurantes — inclusive fora do país, na Indonésia — mas nunca tinha se aventurado na panificação. Até que o isolamento a obrigou a ficar em casa e testar receitas de pães se tornou uma válvula de escape para o ócio dentro de casa. Foi assim que surgiu a Sapadaria.
Eu já comia muito pão porque minha avó panifica há mais de 40 anos, mas eu nunca tinha estudado para fazer. Até que eu e minha ex-namorada começamos e fazer pão juntas e surgiu a ideia de criar a Sapadaria”, diz.
Na medida em que as receitas foram dando certo, Catharina fez alterações na estrutura da própria casa para viabilizar a produção, mas logo sentiu a necessidade de ir para um outro espaço. Por estar habituada com cozinhas de restaurantes, sabia que poderia pensar em formas melhores de produzir suas fornadas.
Catharina calcula que faz entre 100 e 150 pães por mês. As vendas acontecem pelo Instagram, algo que ela pretende mudar em breve. No cardápio, há o pão tradicional, o pão multigrãos (sucesso de vendas), pão de azeitonas, além de focaccias, rolinhos de canela, coco, goiabada e ainda um brownie com receita criada por ela mesma.
Luanda e os avós, dona Joaninha e seu José Alberto Carignato. |
Linguiça Carignato: receita de família feita a seis mãos
Luanda Carignato (@linguica.carignato) é formada em Letras, pela Universidade de São Paulo, e também atuou 12 anos na área de Tecnologia da Informação. Mas só encontrou realização profissional ao buscar dentro de sua casa a receita do sucesso. Literalmente. Veio dos avós, Joaninha e José Alberto Carignato, ambos com 85 anos, o passo a passo para fazer uma linguiça artesanal de primeira qualidade, em São Paulo.
Nasceu assim a Linguiça Carignato, negócio que Luanda toca com a ajuda dos avós. A família tinha o costume de fazer as tradicionais linguiças uma vez ao ano, quando todos se encontravam. Até o dia em que, durante a pandemia, Luanda procurou por linguiças artesanais em São Paulo e encontrou apenas dois lugares que entregavam.
No processo de produção da família, cada um tem a sua função. Às quartas-feiras, eles preparam almôndegas. Às quintas, é a vez do carro-chefe: as linguiças. De acordo com Luanda, elas não têm conservantes, o que é um diferencial no mercado. “A única coisa que tem é o sal de cura. O alho é fresco, a pimenta é fresca. O cheiro verde eu compro da feira”, explica.
Na hora de colocar a mão na massa, dona Joaninha é quem cuida do preparo dos ingredientes. Seu José Alberto se encarrega do corte do alho. Na hora de ensacar, também é ele quem ajuda Luanda a mexer na máquina.
Eles estão juntos no processo comigo. Eu vivo falando que a gente precisa contratar uma pessoa, mas eles acham um gasto desnecessário”, ri a empreendedora.
Ana Paula Munari e Victoria Gallo: inauguração de queijaria trouxe liberdade para o casal. |
Ana Paula Munari e Victoria Gallo se ‘libertaram’ ao criar a Queijaria Vermú
“A queijaria saiu de um desespero”, desabafa Ana Paula Munari, de 29 anos, sobre a Vermú (@vermuqueijaria). Ela e a namorada Victoria Gallo (28) foram pegas de surpresa quando a demissão veio por conta da pandemia. As duas prestavam consultoria para uma outra queijaria quando se viram sem emprego, em um momento em que o trabalho que faziam estava sendo reconhecido até mesmo pela imprensa. “Nós fomos pegas de calça curta”, define Vic.
Se em um primeiro momento a demissão causou espanto e incerteza, logo tudo se transformou em afeto e apoio. Ana e Vic criaram laços tão fortes com os fornecedores da queijaria em que trabalhavam, que quando eles souberam das demissões, correram para incentivar que o casal montasse o próprio negócio.
Eles começaram a procurar a gente no Instagram”, contam. Movidas pelas palavras de força, o casal decidiu começar do zero. Elas abriram a queijaria dentro do apartamento onde moram, na Vila Buarque, em Higienópolis. Lá, equiparam um quarto com freezer, geladeira e uma parte que funciona como um estúdio para fazer fotos de divulgação.Todos os fornecedores deram prazo para a gente pagar em 45 dias. Eles apostaram de verdade no nosso trabalho, não é todo mundo que faz isso. São empresas e parceiros que não fazem isso com qualquer pessoa e a gente entendeu que o que a gente vende vai muito além do produto, são as relações que a gente constrói e isso a gente leva para onde for”, observa Vic.
Atualmente, a Vermú trabalha com mais de 30 tipos de queijos de São Paulo, do interior de Minas Gerais e do Paraná. Muitos deles frutos do trabalho de produtoras mulheres.Ana reflete que a abertura da Vermú foi também um passo de liberdade. Na loja anterior, ela e Vic não podiam deixar às claras que eram um casal. Segundo Ana, o público da queijaria em que elas trabalhavam era “mais conservador”.A gente sentia um pouco de medo (de se assumir) porque o negócio não era nosso. E aí a gente decidiu que não ia mais se esconder atrás disso. E também que há clientes que a gente não quer atender. Quem não quiser comprar com a gente, tudo bem.”
Poder trabalhar e ser quem você é, fazer o que você gosta, sem ter que se esconder, é a melhor parte”, completa Vic. “Hoje nós não somos a Ana e a Vic, somos a AnaeVic, entendeu? É como se a gente fosse uma pessoa só mesmo, as pessoas associaram a Vermú ao casal”, brinca Ana.
“A queijaria saiu de um desespero”, desabafa Ana Paula Munari, de 29 anos, sobre a Vermú (@vermuqueijaria). Ela e a namorada Victoria Gallo (28) foram pegas de surpresa quando a demissão veio por conta da pandemia. As duas prestavam consultoria para uma outra queijaria quando se viram sem emprego, em um momento em que o trabalho que faziam estava sendo reconhecido até mesmo pela imprensa. “Nós fomos pegas de calça curta”, define Vic.
Se em um primeiro momento a demissão causou espanto e incerteza, logo tudo se transformou em afeto e apoio. Ana e Vic criaram laços tão fortes com os fornecedores da queijaria em que trabalhavam, que quando eles souberam das demissões, correram para incentivar que o casal montasse o próprio negócio.
Se em um primeiro momento a demissão causou espanto e incerteza, logo tudo se transformou em afeto e apoio. Ana e Vic criaram laços tão fortes com os fornecedores da queijaria em que trabalhavam, que quando eles souberam das demissões, correram para incentivar que o casal montasse o próprio negócio.
Eles começaram a procurar a gente no Instagram”, contam. Movidas pelas palavras de força, o casal decidiu começar do zero. Elas abriram a queijaria dentro do apartamento onde moram, na Vila Buarque, em Higienópolis. Lá, equiparam um quarto com freezer, geladeira e uma parte que funciona como um estúdio para fazer fotos de divulgação.
Todos os fornecedores deram prazo para a gente pagar em 45 dias. Eles apostaram de verdade no nosso trabalho, não é todo mundo que faz isso. São empresas e parceiros que não fazem isso com qualquer pessoa e a gente entendeu que o que a gente vende vai muito além do produto, são as relações que a gente constrói e isso a gente leva para onde for”, observa Vic.
Atualmente, a Vermú trabalha com mais de 30 tipos de queijos de São Paulo, do interior de Minas Gerais e do Paraná. Muitos deles frutos do trabalho de produtoras mulheres.Ana reflete que a abertura da Vermú foi também um passo de liberdade. Na loja anterior, ela e Vic não podiam deixar às claras que eram um casal. Segundo Ana, o público da queijaria em que elas trabalhavam era “mais conservador”.
A gente sentia um pouco de medo (de se assumir) porque o negócio não era nosso. E aí a gente decidiu que não ia mais se esconder atrás disso. E também que há clientes que a gente não quer atender. Quem não quiser comprar com a gente, tudo bem.”Poder trabalhar e ser quem você é, fazer o que você gosta, sem ter que se esconder, é a melhor parte”, completa Vic. “Hoje nós não somos a Ana e a Vic, somos a AnaeVic, entendeu? É como se a gente fosse uma pessoa só mesmo, as pessoas associaram a Vermú ao casal”, brinca Ana.
A diretora e astróloga Maria Fernanda Batalha. |
Ali eu já me interessei e comecei a estudar”, conta. “Minha mãe e minha avó tinham um monte de livro e eu fui pesquisando. sempre tive esse atravessamento da astrologia na minha vida. Ela é uma das nossas formas de ler o mundo”, explica a paulistana de 33 anos.
Aos poucos, o talento herdado da família foi se enraizando na vida de Maria Fernanda, que também é dramaturga e diretora e usa as redes sociais para divulgar o seu trabalho de forma bastante esclarecedora. Além dos mapas astrais, ela também faz leitura de oráculo.
Sapa Navalha: da Lapa, no Rio, para Itacaré, na Bahia
São ferramentas de autoconhecimento profundo, que revelam coisas que a gente não sabe que estão acontecendo. Eu não acredito que uma leitura de oráculo ou de mapa astral te dê uma sentença de vida. É uma tendência. Importante é a gente trabalhar com as escolhas”, observa.
Recentemente, ela trocou o nome de sua conta no Instagram e incorporou de vez sua alcunha profissional. A intenção foi direcionar o conteúdo ao mesmo tempo em que colocaria em voga a questão da visibilidade lésbica.
Existe um apagamento da letra L. As pessoas não dão muita bola, se perguntam ‘o que é isso de empreendedorismo lésbico?’ Eu acho de extrema importância que a gente leve isso à frente porque às vezes a gente está produzindo conteúdo que vem dessa vivência, mas que são para todas as pessoas. Se eu pude a vida inteira me identificar com conteúdo hétero na televisão, porque as pessoas não podem se identificar com a minha”, reflete.
A minha clientela no Rio era 90% LGBT |
Sapa Navalha: da Lapa, no Rio, para Itacaré, na Bahia
“O fruto não cai muito longe da árvore.” O ditado popular vem muito a calhar para falar de Sapa Navalha (@sapanavalha), professora de teatro e cabeleireira de Florianópolis, radicada por muito tempo no Rio de Janeiro e que hoje vive em Itacaré, na Bahia.
Minha avó e minhas tias eram cabeleireiras, meu avô barbeiro, então eu cresci muito dentro do salão. Adorava ficar vendo quando era criança”, conta. Apesar da ligação próxima com a profissão, Navalha, como gosta de ser chamada, acabou optando por fazer a graduação em artes cênicas.
Ela dava aulas em uma escola estadual em Florianópolis, mas decidiu se mudar para a cidade maravilhosa quando o contrato acabou. Sua fama de cabeleireira logo correu a cidade maravilhosa.
Na época eu estava no grupo Maracatu Baque Mulher e sempre depois dos ensaios eu ficava cortando o cabelo das mulheres. Eu comecei a cortar o cabelo na rua, na Lapa, nos bares…”, relembra sobre a trajetória.
Eu não tinha a pretensão de ser cabeleireira profissional, eu fazia mais para gastar uma onda na Lapa. Saía para beber e cortava o cabelo das pessoas”, se diverte.
Com a pandemia, ela decidiu mais uma vez se reinventar. Passou a fazer telecortes — cortes de cabelo feitos por chamada de vídeo, auxiliando a pessoa que desejar cortar os fios — e se mudou para Itacaré. Lá, Navalha conta que seus clientes são cerca de 90% heterossexuais, algo que não acontecia no Rio de Janeiro.
A minha clientela no Rio era 90% LGBT”, conta.
Em Itacaré, ela sente a resistência das pessoas de falarem o nome da marca “porque elas acham que podem estar ofendendo”.
Eles querem saber logo o meu nome e aí só me chamam de Julia”, conta. “E aí eu tenho que explicar que não estão me ofendendo, pelo contrário, é um lugar de afirmação mesmo”.
Clipping De queijos a cuecas femininas: 7 negócios de mulheres lésbicas para comemorar o Dia do Orgulho, Hypeness, 19/08/2021
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