"Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. A ausência de lei não é ausência de direito, até porque o direito é maior do que a lei."
A constatação é do ministro Ayres Britto, hoje aposentado do Supremo Tribunal Federal, em voto histórico no julgamento que equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, e que completa dez anos nesta quarta-feira (5/5).
Ayres Brito foi relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Seu voto foi seguido por integralmente por seis ministros.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso divergiram em alguns pontos da maioria do colegiado, mas acompanharam o ponto central da ADI. A condenação da discriminação e de atos violentos contra homossexuais foi unânime.
A análise da matéria pelos ministros também enveredou no sentido de que o caráter laico do Estado veta que a moral religiosa limite a liberdade das pessoas. A problemática foi abordada, por exemplo, nos votos dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.
Em seu voto, Marco Aurélio destacou o papel contramajoritário do Supremo — citou a decisão tomada em relação à Lei da Ficha Limpa — ao lembrar que as normas constitucionais de nada valeriam se fossem lidas em conformidade com a opinião pública dominante.
Já Celso de Mello afirmou que o Estado deve dispensar às uniões homoafetivas o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Não há razões de peso que justifiquem que esse direito não seja reconhecido, frisou o ministro. "Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero", disse.
Ao dar provimento as duas ações que pediam o reconhecimento da relação entre pessoas do mesmo sexo, os ministros decidiram que a união homoafetiva deve ser considerada como uma autêntica família, com todos os seus efeitos jurídicos.
Sustentações orais históricas
Ao se pronunciar sobre o tema, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que a ação visava reconhecer que todas as pessoas têm os mesmos direitos de formular e perseguir seus planos de vida desde que não violem direitos de terceiros.
Gurgel citou dados do IBGE, de acordo com os quais havia 60 mil casais homossexuais no país. Outra sustentação oral histórica foi feita pelo então advogado Luís Roberto Barroso, que representado o governo do Rio de Janeiro, subiu à tribuna para falar que a história da civilização é a história da superação do preconceito.
Na época, o atual ministro do STF lembrou de casos em que homossexuais foram punidos apenas por declarar sua opção sexual.
Duas pessoas que unem seu afeto não estão numa sociedade de fato, como uma barraca na feira. A analogia que se faz hoje está equivocada. Só o preconceito mais inconfessável deixará de reconhecer que a analogia é com a união estável", afirmou Barroso.O advogado também frisou que o direito das minorias não deve ser tratado necessariamente pelo processo político majoritário. Ou seja, pelo Congresso.
Mas sim por tribunais, por juízes corajosos", disse.
Por fim, o então advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, também defendeu o reconhecimento das uniões homoafetivas. "O reconhecimento dessas relações é um fenômeno que extrapola a realidade brasileira e o primeiro movimento de combate à discriminação que sofrem esses casais vem do Estado, com o reconhecimento de benefícios previdenciários", afirmou.
Outros seis amici curiae defenderam as uniões homoafetivas. Contra o reconhecimento, falaram dois amici. A principal foi a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Clique aqui para ler o voto do relator, ministro Ayres Britto
Clique aqui para ler o voto do ministro Ricardo Lewandowski
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Clipping Decisão do STF que reconhece união estável homoafetiva completa 10 anos, 05/05/2021, Conjur
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