Marina Lima e a namorada Lídice Xavier |
Marina Lima aparece na tela do laptop pontualmente às 19h30, hora marcada para a entrevista por videochamada. A precisão do horário remete, imediatamente, às características de seu signo, virgem, cantado em verso, prosa e título de um dos 21 álbuns da cantora. Marina em seu apartamento em São Paulo, onde mora há 11 anos
Uma das representantes máximas das aspirações da geração dos anos 1980, Marina — moderna desde o primeiro acorde — não se prendeu ao passado. O tempo fez com que ela mudasse e avançasse. “As mulheres costumam ter problema com idade. Não sou assim. Nunca fui presa a estereótipos. Aos 65 anos, me sinto inteira e com o direito de dizer tudo que penso, sem culpa.”
Tamanha liberdade ganhará, na sexta-feira, dia 9, sua mais perfeita tradução com o lançamento, simultâneo, do livro “Marina Lima música e letra” e do EP “Motim”. O songbook celebra um ciclo de 21 discos e contém partituras e letras de 175 canções compostas, interpretadas e com arranjo de Marina. É digital, didático e gratuito. “O público fez a minha obra, que toca no rádio até hoje, do Oiapoque ao Chuí. Quis dar de volta”, justifica. O EP traz quatro músicas — “Motim” (Marina/Bizzotto/Alvin L.), “Kilimanjaro” (Marina/Alvin L./Alex Fonseca), “Pelos apogeus” (Marina) e “Nóis”, com participação de Mano Brown.
A seguir, os melhores trechos da conversa com O Globo em que Marina falou sobre sexualidade, depressão, pandemia e Brasil.
Completamos um ano de pandemia. Como você enxerga esse momento?
Estou no limite. O Brasil vive um caos, e a gente não vê um caminho. Ninguém toma providência. Estou, desde o começo da pandemia, muito isolada. Por isso, criei tanto. Voltei a estudar, a compor, terminei o songbook. Mãos à obra, falei para mim mesma. Do contrário, a gente faz um buraco e se enterra.
Como surgiu a ideia do songbook e do EP?
Qualquer artista quer criar um songbook. A vida inteira, achei que era cedo. Quando fiz 20 discos, falei: “Agora dá”. Convidei o músico Giovanni Bizzotto para transcrever as músicas e ficamos dois anos trabalhando. O songbook contempla 21 discos e contém letras e partituras de 175 canções minhas ou gravadas por mim. É didático, digital e gratuito. O público fez a minha obra, que toca no rádio até hoje, do Oiapoque ao Chuí. Quis dar de volta. Já com o EP, lanço quatro músicas fortes e independentes: “Motim” “Pelos apogeus”, “Kilimanjaro” e “Nóis”, com Mano Brown.
Você é uma artista que se posiciona bastante, né?
Neste momento, como não se posicionar? O Brasil parece um filme de terror. Tem um bando de gente negacionista no comando que não quer encarar a realidade. Bastou o Trump (Donald Trump), que negava a ciência e tinha problema com a questão do clima, deixar a presidência dos Estados Unidos e entrar o Biden (Joe Biden), um presidente responsável, para o avanço ser enorme. E aqui nada acontece. Estamos imobilizados dentro de casa e as pessoas loucas fazendo tudo o que querem.Marina Lima: EP de inéditas
Como você vê o novo feminismo?
Se tivesse que escolher vir de novo na música, queria ser eu mesma. Mas, caso pudesse mudar de área e ser mais velha, seria a Heloisa Buarque de Hollanda (escritora, pesquisadora e crítica literária). Gostaria de envelhecer como ela. Que farol. O tempo dela é hoje. Se tivesse a chance de ser mais nova, escolheria a Maria Casadevall, uma atriz incrível que fala sobre as questões social, indígena e de gênero. O negócio é espelhar-se nisso.
Você disse que o tempo da Heloisa Buarque de Hollanda é hoje. Também sente isso?
As mulheres costumam ter problema com a idade. Para algumas, é muito limitadora. Elas se sentem passadas. Não sou assim. Nunca fui presa a estereótipos, sempre gostei de viver a minha idade. Aos 65 anos, me sinto inteira e com o direito de dizer tudo que penso, sem culpa. Se não gostarem, paciência. É a minha existência e já tenho liberdade e direitos adquiridos de tempo e estrada para falar o que me interessa.
E a questão estética?
Não é um problema mais para mim. Sempre achei que tinham coisas ao favor de nós, mulheres. Sentia pena, antigamente, dos meus amigos que não podiam se maquiar. Mas olha o Fiuk no “BBB 21”. Ele usa saia, pinta o olho, faz rabo de cavalo. É isso. Liberdade e espaço conquistados. O resto depende da cabeça, de como se colocar. Mas claro que existem as angústias. Por exemplo, quando tive depressão. Foi bom ter vivido e entrar em contato com meu lado sombrio.
Essa crise depressiva foi nos anos 90.
Sim. Era a mulher pop do Brasil e não estava gostando mais daquela demanda. Percebi que precisava procurar um trabalho um pouco mais sofisticado e sabia que isso custaria um preço. E vamos nos deparando com pessoas que nos decepcionam, com a inveja, isso vai dando tristeza. Foi uma depressão que acabou atingindo a minha voz porque a voz depende da respiração. E eu mal conseguia respirar, era uma angústia imensa, doía... Mas, quando foi passando, senti uma libertação. Entendi quem eu era, quem eu queria ser e quem estava comigo ainda. Para quem estava ligado a uma coisa antiga, ficaram os discos. Os que me acompanharam foram muito bem-vindos, vamos juntos.
A sua voz também foi afetada por um procedimento médico na garganta que deu errado?
Tive uma gripe fortíssima, estava péssima, fui ao médico e ele resolveu aspirar um pus na garganta, e acho que aquilo me machucou. Foi um conjunto de coisas. Porém, quando fiquei livre da depressão, entrei na fono, realizei exercícios e fui melhorando.
De que maneira tratou a depressão?
Procurei um psiquiatra. Em seis meses, comecei a entender tudo de novo. A depressão representou um divisor de águas. Do contrário, seguiria um perfil de carreira feito uma boneca.Marina Lima Foto: Sergio Santoian
Qual é a importância de falar sobre saúde mental?
Hoje está muito melhor, quebrou-se um preconceito em relação a esse tema. Porém, quando tive depressão, muita gente achava que era frescura. As pessoas diziam: “Ah, Marina, para com isso”. Qualquer pessoa que tenha problema com álcool e drogas e fale sobre isso, abre caminhos para a cura de muita gente.
Como você passou pelas drogas nos anos 1980?
Sempre gostei de ginástica, do dia, de praia, de pegar onda. O Caju (Cazuza) ficava indignado porque ele não contava comigo nas noitadas, eu era matinê. Mas claro que experimentei de tudo. Não gostava de cheirar pó, ficava tensa, com taquicardia. Sorte a minha. Maconha, acho que tem de liberar.
E a decisão de viver plenamente sua sexualidade?
Minha família sempre foi liberal. Isso nunca foi um assunto à mesa. O importante era eu e meus irmãos (um deles, o imortal da ABL Antonio Cicero) estudarmos. Só toquei nesse tema com a minha mãe, aos 17 anos, quando resolvi arriscar e viajar com uma pessoa famosa. Não queria que ela soubesse de outras maneiras. Difícil foi entender que o mundão não era o meu núcleo familiar.
Essa famosa, sua primeira namorada, foi a Gal costa. ela não gostou quando você falou sobre esse relacionamento. O que aconteceu?
Na década de 1990, resolvi abrir isso na revista de uma amiga. Tinha namorado pessoas em São Paulo, gente de moda, das artes plásticas, e via que os pais as perseguiam. Fiquei impressionada e quis ajudar. Morava no Rio, que, naquela época, era uma cidade mais liberal. Nunca poderia imaginar que a pessoa em questão fosse ficar puta. Até por que aprendi muito sobre libertação sexual com aquela geração, com os baianos. Não toco mais nesse assunto, não quis aborrecer ninguém. Foi um susto causar incômodo, fiquei indignada até. Mas cada um sabe da sua vida.
E agora você está morando em São Paulo e casada.
Moro em São Paulo há onze anos e estou casada há oito. A Lídice (Xavier) é uma pessoa incrível. Aos 20, 30 anos, a gente idealiza as coisas. Passei muito tempo sozinha. Pensei: “Vou segurar a minha solidão e carência e esperar alguém com quem tente ter uma vida realista, não idealizada”. O dia a dia é difícil. Estava há três anos morando em São Paulo quando conheci uma advogada carioca, amiga de um amigo, num show meu. Foi amor à primeira vista.
Vocês pensam ou pensaram em ter filhos?
Quando completei 40 anos, me deu vontade de ser mãe. Mas primeiro teria que escolher quem seria o pai. A maioria dos homens com quem gostaria de ter um filho eram grandes amigos. E eles estavam casados ou não queriam. Fui adiando. Aos 50, deixou de ser uma questão. Quando conheci a Lídice, ela estava nesse impasse. Disse: “Se for importante para você, topo ter um filho”. Mas ela optou por não ter. Foi uma decisão em comum.
Depois do lançamento do songbook e do EP, quais são seus planos? O que espera do futuro?
Espero que tudo melhore e que em 2022 a gente renove o quadro que está aí. A comunicação musical mudou. Desejo fazer discos menores, trilhas sonoras de filmes e de marcas. Quero me comunicar de todas as formas que a vida colocar ao meu dispor.
Clipping Marina Lima lança songbook e EP, conta como tem criado na pandemia, lembra depressão e fala sobre relação com advogada. Já tem oito anos. Foi amor à primeira vista', afirma a cantora, por Marcia Disitzer, 04/04/2021
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