Luciene Santos, a Sapavegana fala sobre termo sapatão Imagem: Divulgação |
"Sapatão, periférica, afrovegana". O perfil no Instagram da criadora de conteúdo Luciene Santos, a @sapavegana, já dá pista do quanto usar o termo sapatão para falar sobre a própria orientação sexual é ferramenta de autoestima, autoafirmação e resistência nas redes sociais.
A palavra que durante muito tempo foi usada como forma de xingamento por quem não respeita o jeito de viver de mulheres que se relacionam com outras mulheres vem, aos poucos, ganhando significado positivo. Mas a reviravolta veio justamente pelas atitudes de quem já sofreu preconceito. Como diz a letra daquela antiga marchinha de Carnaval, que transita entre o estereótipo e essas frases mais atuais: "O sapatão está na moda. O mundo aplaudiu. É um barato, é um sucesso dentro e fora do Brasil". Agora, elas se apropriam disso.
Só as sapatonas on-line: na internet, elas se apropriam do termo
Só as sapatonas on-line: na internet, elas se apropriam do termo
É o caso de Luciene, que criou sua conta no Instagram em 2018 para falar sobre veganismo a partir de sua experiência de vida. Ela havia revelado que é lésbica para o mundo dois anos antes. Ouviu comentários negativos sobre ser "sapatona". "Eu cresci ouvindo 'sapatão' como ofensa de pessoas próximas. Como se fosse algo ruim".
Quando decidiu falar na internet sobre veganismo, queria aliar outras identidades à bandeira do fim da crueldade animal. "O perfil na rede social me ajuda a me posicionar enquanto lésbica, preta, pobre. Aliás, me ensina o quanto é importante se posicionar", diz.
Para ela, ser a @sapavegana nas redes resulta na identificação de outros públicos com suas vivências e é uma ponte entre as opressões sociais que quer combater com seu trabalho.
O termo afasta algumas pessoas, mas também atrai: tenho seguidores que são LGBTs que me seguem mesmo não sendo veganos, e vice-versa. Isso é bom, porque eu consigo unir as pautas. Além disso, as opressões que mantêm a figura do homem branco cisgênero, heterossexual e branco no poder prejudicam as pessoas pretas, os pobres, os indígenas, os animais. Então, para mim, são essas causas que precisam ser defendidas."
Ana Claudino, a "Sapatão Amiga", produz conteúdo no Youtube sobre sua vivência Imagem: Divulgação |
Uma "sapatão amiga" no Youtube
No Youtube, digitar "Sapatão amiga" no campo de pesquisa leva ao canal de Ana Claudino. Criadora de conteúdo na internet desde 2017, Ana também precisou dar novo sentido à palavra sapatão para que se tornasse motivo de orgulho.
"Quando eu era criança, e nem sabia que era lésbica, já me chamavam de sapatão. E eu achava que era sobre quem usava sapato grande. Aos 20 anos, passei a usá-la como uma palavra política", analisa. "Lésbica é um termo muito limpo".
Não à toa, a experiência na infância de ser xingada por sua orientação sexual influenciou também a escolha do nome do canal. "Fui uma criança no final dos anos 90, em que não tinha internet, produção de conteúdo LGBT como temos hoje. Queria que o 'Sapatão Amiga' fosse um porto seguro para as meninas que não têm, justamente, uma amiga sapatão para conversar e dizer que está tudo bem."
Parte do grupo Sapatour, composto pelas produtoras de conteúdo: Yasmin Akutsu, Luana Aguiar, Taynara Aquino, Fernanda Xavier, Jeniffer Pereira, Thais Goto, Caroline Souza, Marina Sampaio e Patrícia Ribeiro Sanyana Amara. |
E vamos de "Sapatour"
O orgulho de ser sapatão também é mote do conteúdo produzido nas redes sociais pelo "Sapatour", um grupo de pelo menos dez amigas lésbicas que migrou da vida real para a internet com entretenimento e informação LGBTs. "Sempre destacando o L, que é nossa vivência", explica a idealizadora do grupo, Yasmin Akutsu.
Além dos vídeos da trupe, o Sapatour promove a hashtag #SomosTodosSapatour, em que seguidoras publicam fotos e vídeos de si mesmas. Para Yasmin, é um jeito de mostrar que lésbicas não estão sozinhas e aumentar a autoestima de cada uma.
O Sapatour e a hashtag são formas de fazer com que se sintam abraçadas, seguras e unidas mesmo que de longe. Assim, elas podem ter força e coragem para mostrar à sociedade quem são e para enfrentar todo o preconceito que infelizmente existe. Isso gera uma identificação que as motiva a fazer o que realmente gostam, sem se preocupar com julgamentos", detalha. "O movimento espalha esse empoderamento".
O nome, explica a fundadora, veio do perfil festeiro do grupo.
Quando nos conhecemos éramos todas solteiras, saíamos de segunda a segunda e nunca nos desgrudávamos. Na época a gente tinha mania de chamar todo lugar que a gente ia ou tudo que a gente fazia de 'tour'. Eu sempre gostei de compartilhar tudo nas redes e achei que seria melhor termos um nome de verdade para o grupo", explica. "Estamos sempre tentando unir diversão, informação e representatividade".
A palavra "sapatão" vem de onde?
Usar o termo sapatão para lésbicas, segundo especialistas, pode ter sido popularizado em dois contextos históricos: "[O primeiro] remete aos poemas sobre amores lésbicos do poeta Gregório de Matos (1636 - 1696), em que aparece a figura de uma mulher chamada Luiza Sapata", analisou a doutoranda em linguística pela USP e pesquisadora do Centro de Documentação em Historiografia Linguística (CEDOCH-DL/USP) Stela Danna, em entrevista para Universa de outubro do ano passado.
A segunda tem a ver com o uso de "sapatos masculinos" por feministas, na década de 1970, em vez dos modelos femininos. Essas mulheres, então, passaram a ser chamadas de 'sapatão'. A música citada no início da matéria, "Maria Sapatão", nos anos 80, também popularizou o termo no Brasil.
Ver também Origens do termo sapatão | Um Outro Olhar
Clipping "Sapatão, sim": por que influencers estão resgatando termo antes rejeitado, por Nathália Geraldo, Universa, 22/06/22020
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