Em 2008, o 26 de abril tornou-se o Dia Internacional da Visibilidade Lésbica |
Em 2008, o 26 de abril tornou-se o dia da Visibilidade Lésbica. Conforme as fontes, hispanófonas ou anglófonas, a iniciativa é atribuída a ativistas do Estado Espanhol ou dos Estados Unidos da América. Nas fontes francófonas, a Journée de visibilité lesbienne é referida como tendo origem no Quebeque, em 1982, embora com comemorações em diferentes datas ao longo dos anos. O certo é que o evento do 26 de abril se tornou internacional graças à Internet. Mas essa não é a única data.
Na Argentina é assinalado o 7 de março desde 2011 em homenagem a Natalia “La Pepa” Gaitán, mulher de 27 anos assassinada pelo padrasto da sua namorada. No Brasil, o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica celebra o 29 de agosto de 1996, data em que aconteceu o Primeiro Seminário Nacional de Lésbicas - Senale, e o Dia do Orgulho Lésbico recorda o 19 de agosto de 1983, a primeira grande manifestação de mulheres lésbicas no Brasil, ocorrida em São Paulo. Em vários países da América Latina também é assinalado o Día de las Rebeldías Lésbicas em homenagem ao 13 de outubro de 1987, data do Primeiro Encontro Lésbico Feminista da América Latina e das Caraíbas. E na Austrália e na Nova Zelândia o 8 de outubro é o Lesbian Day pelo menos desde os anos 1990.
Este ano, o Clube Safo, primeira associação lésbica portuguesa, decidiu adotar oficialmente a data. O Clube Safo nasceu em janeiro de 1996, em Aveiro, e registou-se como associação no dia 15 de fevereiro de 2002, em Santarém. Espaço de encontro e partilha, este coletivo publicou o boletim Zona Livre e foi um dos convocantes da primeira Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa no ano 2000. Este ano, o Clube Safo não só adotou o dia 26 de abril como dia da Visibilidade Lésbica, como lançou um conjunto de iniciativas naquilo a que chamou o Mês da Visibilidade Lésbica: “Dia 26 de Abril é o dia em que se celebra a ️Visibilidade Lésbica️ o mesmo mês que em Portugal se celebra também a Liberdade. Por isso dedicamos este mês à visibilidade, a podermos ser quem somos, a amarmos quem amamos e existirmos numa sociedade em que o existir é também resistir”.
Entre outras iniciativas, decidiram falar “de visibilidade lésbica, de políticas e direitos de mulheres que têm relações com mulheres” e convidaram “três mulheres que participam no movimento de defesa destes mesmos direitos tanto pela sua visibilidade como pelos lugares de liderança que ocupam”. No dia 24 de abril organizaram um encontro online com Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género (ver vídeo(link is external)), dia 25 de abril com Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal (ver vídeo(link is external)) e, hoje, dia da Visibilidade Lésbica, com Fabíola Neto Cardoso, sócia fundadora do Clube Safo e deputada na Assembleia República eleita pelo Bloco de Esquerda (ver transmissão em direto(link is external) às 17h).
Além da iniciativa do Clube Safo, também a plataforma cultural Queer as Fuck está a promover o Queer Quiz Virtual: Visibilidade Lésbica!(link is external) E outros coletivos e pessoas a título individual terão a sua forma de assinalar a data.
Por que celebrar a Visibilidade Lésbica?
Em maio de 2018, através de uma entrevista, Sandra Cunha, socióloga e ativista feminista, pelos direitos das crianças e pelos direitos LGBTI, tornou-se a primeira deputada portuguesa a assumir-se publicamente como lésbica. Em outubro de 2019, Fabíola Cardoso, fundadora da primeira associação lésbica portuguesa, foi também eleita para a Assembleia da República. Entre uma data e outra, em fevereiro de 2019, na Costa da Caparica, as jovens Débora Pinheiro e Sara Casinha foram agredidas por um homem por estarem a dar um beijo e denunciaram publicamente esse ato de violência. Ainda há quem questione: A visibilidade lésbica é importante? Entre a família, na escola, no hospital, no emprego... as mulheres não continuam a ser logo à partida presumidas heterossexuais? É ainda importante que as mulheres lésbicas se sintam representadas na cultura ou na política? É seguro ser visivelmente lésbica nas ruas? O Esquerda decidiu perguntar à ativista queer feminista Raquel Smith-Cave, à investigadora Anna M. Klobucka e à investigadora Raquel Afonso porque razão é importante comemorar a Visibilidade Lésbica (ver mais dados sobre as entrevistadas ao fim do texto).
Anna M. Klobucka: A minha perspetiva sobre a questão da (in)visibilidade lésbica em Portugal é sobretudo histórica, decorrente de alguma investigação que tenho desenvolvido ao longo dos últimos dez anos sobre a “existência lésbica” (para evocar o conceito de Adrienne Rich, desenvolvido no seu artigo clássico “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”) na cultura portuguesa moderna.
A “heterossexualidade compulsória”, por sua vez, é o princípio simbólico que tem definido – até muito recentemente de forma absoluta – os horizontes epistémicos de todas as vertentes da história nacional, articulando-se de forma particularmente perniciosa com a marginalização das mulheres em geral nos cânones do conhecimento patriarcal. Por conseguinte, a inscrição no registo histórico vigente do protagonismo social, cultural, artístico e/ou literário das mulheres portuguesas que amaram mulheres encontra-se ainda numa fase incipiente, não obstante vários trabalhos notáveis já realizados (como o livro de Raquel Afonso, Homossexualidade e resistência no Estado Novo, ou a tese de Helena Lopes Braga sobre Francine Benoît). E é uma vertente de investigação que ainda precisa de vencer muitas resistências firmemente instaladas, como a alegada irrelevância dos fatores como a afetividade e sociabilidade (no caso, lésbicas) para a interpretação da vida e obra das figuras históricas notáveis.
Eventos públicos de ativismo lésbico em diferentes países deram origem ao 26 de abril |
Para dar apenas um exemplo entre muitos possíveis, a escritora e ativista açoriana Alice Moderno (1867-1946), que viveu, viajou e colaborou durante décadas com a sua companheira Maria Evelina de Sousa, continua a ser apresentada em diversas biografias como solteira, cujo único relacionamento amoroso terá sido o noivado à distância com Joaquim de Araújo. Já quanto à sua relação com Sousa, a biografia de Alice Moderno na Wikipédia contém esta pérola: “O seu relacionamento causou bastante especulação na sociedade micaelense mas desconhece-se se era meramente platónico.” (O respetivo artigo em inglês afirma que “Sousa and Moderno lived openly as lesbians.”)
Raquel Smith-Cave: Celebrar o dia da visibilidade lésbica ajuda-nos a lembrar que o L da sigla LGBT+ ainda é muitas vezes negligenciado, mesmo dentro da comunidade queer. Reforçando a importância das lutas feministas de uma perspetiva intersecional, precisamos de ter em atenção os vários níveis de opressão a que muitas de nós estão sujeitas e que não são visíveis ou possíveis de modificar se continuarmos a lidar com estas questões em caixinhas separadas. É necessário questionarmos os nossos privilégios, agindo a favor de uma maior consciencialização e integração das questões de classe, anti-racistas, feministas e muitas mais opressões que também intensificam a constante invisibilização de pessoas lésbicas na sociedade.
Acredito no poder da arte como potencializador de mudança e que existem várias formas válidas e fundamentais de se fazer ativismo. Através da minha experiência pessoal, como alguém que desde cedo questionou as normas sociais e obteve respostas primeiramente através da arte, foi no artivismo que me envolvi de forma mais natural. Com a plataforma Queer As Fuck, tento explorar e analisar a falta de representação das diversas identidades de género e sexualidades não-normativas (principalmente LBT+) na sociedade, criando espaços de partilha de experiências e conteúdos criativos que abordam vivências menos evidentes e, por isso, mais importantes de realçar.
Por exemplo, o ciclo de cinema “Where Are My Lesbians?” com a exibição de filmes com temática lésbica, o clube de leitura Queer Books em que partilhamos textos escritos por pessoas queer, ou o queer quiz, que começou por se basear em perguntas gerais sobre o movimento LGBT+ e agora são quizes mais específicos, como o especial para este dia da visibilidade lésbica, com o qual tenho aprendido muito sobre a história da comunidade e sei que quem participar também vai sentir orgulho por ficar a conhecer tantos marcos e figuras revolucionárias que impulsionaram o movimento lésbico.
Raquel Afonso: É estranho como se “estranha” o facto das lésbicas quererem visibilidade, sabes? Trabalhei sobre lésbicas e homossexuais no período do Estado Novo e, já nesse tempo, as mulheres lésbicas eram praticamente invisíveis (e é tão difícil chegar até elas!) Até nos movimentos posteriores ao 25 de abril. Invisibilizadas no movimento gay e igualmente invisibilizadas no movimento feminista.
É engraçado, quando o meu livro saiu, tive muitas pessoas a questionarem o facto de eu ter informado que era lésbica. Cientificamente era clara a razão, era importante dar conta da relação que tinha com o meu objeto de estudo. Mas também o fiz como uma provocação. Qual é o problema? Quis dar visibilidade, hoje, porque continuamos ofuscadas pelo (pelo menos) duplo estigma, de sermos mulheres e de sermos mulheres lésbicas.
Acho que a visibilidade é importante porque as mulheres lésbicas não têm que estar na sombra de ninguém, seja essa sombra feita por homens ou por mulheres heterossexuais. Nós também lutámos, também estivemos lá. E estamos. A visibilidade é importante para nós porque nós também existimos. E não somos menos que ninguém. É importante reconhecer isso.
Anna M. Klobucka é professora(link is external) no Departamento de Português da Universidade de Massachusetts Dartmouth (EUA), onde leciona principalmente literatura portuguesa e literaturas africanas em língua portuguesa. Entre outros(link is external) trabalhos seus, podemos referir o artigo Portugal’s First Queer Novel: Rediscovering Visconde de Vila-Moura’s Nova Safo (1912)(link is external), o livro O Mundo Gay de António Botto(link is external), ou o volume co-editado com Hilary Owen Gender, Empire, and Postcolony: Luso-Afro-Brazilian Intersections(link is external).
Raquel Smith-Cave é uma ativista queer feminista, uma das fundadoras do Festival Feminista de Lisboa(link is external) e é dinamizadora do projeto cultural Queer as fuck(link is external).
Raquel Afonso é investigadora, autora do livro Homossexualidade e Resistência no Estado Novo(link is external), e é membro do associação Fem - Feministas Em Movimento.
Clipping Como e porquê comemorar o dia da Visibilidade Lésbica?, por Fabíola Cardoso, Esquerda.Net, 26/04/2020
Clipping Como e porquê comemorar o dia da Visibilidade Lésbica?, por Fabíola Cardoso, Esquerda.Net, 26/04/2020
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