Bissexuais e lésbicas são maioria da população LGBT paulista encarcerada

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Bissexuais e lésbicas são maioria da população LGBT encarcerada de São Paulo 
Bissexuais formam a maioria da população LGBT encarcerada do estado de São Paulo. Os números estão em um levantamento inédito feito pela SAP (secretaria de Administração Penitenciária) que ouviu, em outubro de 2019, 232.979 pessoas custodiadas de todas as 175 unidades prisionais existentes. Os números foram divulgados em janeiro.

5.680 ou 2,44% das pessoas presas em São Paulo se identificaram como LGBTs. As definições de cada letra da sigla foram apresentadas aos detentos em entrevistas baseadas em um formulário.

Depois dos bissexuais (2.471 pessoas), vêm as lésbicas na sequência (1375) e depois os gays (953). Diante de todos os números, um asterisco chama atenção para a quantidade de bissexuais. A SAP disse “imaginar” que as vivências homoafetivas são impulsionadas pela privação de liberdade. A secretaria diz que esse fator poderá ser verificado no futuro a partir de outros levantamentos sobre o perfil da população LGBTQI+ encarcerada.

É arriscado teorizar a respeito de orientações afetivo-sexuais, já que não existem marcadores objetivos para isso. No entanto, o psicólogo e terapeuta Klecius Borges esclarece que é cada vez mais aceita a ideia de que a sexualidade humana se situa em um gradiente. “[A sexualidade] pode, portanto, variar de acordo com as circunstâncias nas quais o indivíduo se encontra, assim como com o contexto social”, detalha o psicólogo especializado no atendimento a LGBTs e seus familiares.

Nos anos 50, o biólogo americano Alfred Kinsey criou uma escala para mensurar os movimentos da sexualidade humana. Entre uma pessoa exclusivamente heterossexual e uma exclusivamente homossexual havia, segundo ele, 5 variações. 

Voltando a 2020. Klecius faz, portanto, o uso do termo bissexualidade no plural.
As bissexualidades podem envolver desde apenas o comportamento sexual, isto é, o ato sexual propriamente dito, a diferentes níveis de envolvimento afetivo e emocional”, esclarece.
Natália Corazza, professora de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Antropologia Social e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) endossa a ideia da sexualidade fluida, e rechaça o argumento comumente usado de que a bissexualidade pode “surgir” provocada pela privação de liberdade aliada à carência sexual.
Eu não diria jamais que a bissexualidade surge. As pessoas vivem relações sexuais, amorosas e prazeirosas em diversas situações sociais. A prisão é uma delas. E frente a estas situações sociais, elas vão viver relações heterossexuais, homossexuais ou bissexuais”, argumenta.
A pesquisadora que atua desde 2001 em estudos baseados em vivências em presídios masculinos e femininos afirma que a novidade no levantamento é identificação dos entrevistados com as letras da sigla LGBT que lhes foram apresentadas.
Essas categorizações identitárias [LGBTQI+] não foram cunhadas e tampouco faziam sentido no cotidiano de vida de pessoas em situação de prisão até bem pouco tempo”.
Por isso, muitas lésbicas masculinizadas, que reproduzem o gênero masculino, através de roupas e nomes masculinos, e são conhecidas, no contexto prisional, como Sapatões, agora se identificam como homens trans.


De fato isso se explica porque os parâmetros da pesquisa, feita com detentos e detentas de São Paulo, seguem uma cartilha formulada pela Secretaria de Justiça e Cidadania e apontamentos de movimentos sociais, usando de uma gramática normativa diferente das nomenclaturas informais usadas nos presídios. Em outras palavras, prisioneiras e prisioneiros foram induzidos a utilizar essa gramática. Ainda assim, esses levantamentos são vistos como meios de se garantir direitos à população LGBT encarcerada, como a visita conjugal homoafetiva.

Com informações de O que as prisões paulistas têm a dizer sobre a sexualidade humana, Todas as Letras, FSP, 23/04/2020

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