Entenda: direitos LGBT podem retroceder no Brasil?
Temor de que casamento entre pessoas do mesmo sexo seja proibido pelo próximo governo leva gays aos cartórios
RIO- Parte da comunidade LGBTI teme que, com a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), direitos já conquistados pelos gays no Brasil sejam perdidos. Um deles, o casamento homoafetivo, está assegurado desde 2013 por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após entendimento em defesa da igualdade dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011.
RIO- Parte da comunidade LGBTI teme que, com a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), direitos já conquistados pelos gays no Brasil sejam perdidos. Um deles, o casamento homoafetivo, está assegurado desde 2013 por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após entendimento em defesa da igualdade dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011.
A Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recomendou, há pouco mais de uma semana, que homossexuais que quiserem "ter direitos garantidos" se casem até o fim do ano. O temor gerou uma corrida aos cartórios para oficializar uniões antes da posse do novo governo.
Mas o que exatamente pode mudar? Jair Bolsonaro poderia revogar alguma decisão da Justiça sobre esse tema?
O GLOBO ouviu especialistas no assunto, e, para eles, a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo é possível, mas seria considerada inconstitucional pelo Supremo. Portanto, se viesse a acontecer, seria derrubada.
A juíza de Direito Andréa Pachá considera alarmista o incentivo a uma corrida aos cartórios.
O medo que se tem agora é que surja uma lei revogando essa decisão administrativa do CNJ. É um medo legítimo, porque estamos falando de uma população, a LGBTI, que ficou muito tempo desprovida de qualquer direito. Então qualquer ameaça a recuo é algo muito sensível. É justo que seja sensível, por que foi uma luta de muitos anos. Mas eu acho um alarmismo correr aos cartórios, porque, quando falamos de afirmações de direitos, não devemos deixar o medo se sobrepor à realidade — diz ela. — Acho que o motivo para preocupação é um tanto precipitado. Eu aposto na prevalência da Constituição.
Pachá explica que, antes da norma administrativa criada pelo CNJ em 2013, cada juiz de cartório tinha autonomia para decidir se casaria ou não pessoas do mesmo sexo. Com a norma, o casamento se tornou inquestionável. Caso haja uma lei revogando a decisão do CNJ, os juízes de cartório voltariam a poder decidir individualmente se oficializam casamentos homoafetivos ou não. E, se o casamento de alguém for recusado, essa pessoa pode entrar com recurso, com base no entendimento do STF de 2011.
Se houver alguma lei, de fato, proibindo o casamento homoafetivo, o Supremo dará a última resposta. A tendência do Supremo ao tratar temas como liberdade de expressão e direitos individuais é se manter firme em relação às decisões já tomadas. Não acredito que possa vir um retrocesso — afirma a juíza. — Acho que esse ambiente muito passional das eleições acabou contaminando o debate mais racional. Acho que a gente acaba desconsiderando a existência da Constituição. Existe uma rede de proteção.
A presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB, Maria Berenice Dias, também aposta que o STF considerará inconstitucional uma lei que venha a proibir o casamento homoafetivo. No entanto, ela pondera que, entre uma lei ser aprovada e o Supremo se manifestar, pode levar muito tempo:
Pode levar anos, não há como prever.
De acordo com ela, bastaria uma "canetada" do presidente eleito para que uma medida provisória — que tem força de lei, mas não precisa passar pelo Congresso Nacional — proibisse o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Não dá para anular uma decisão já dada pela Justiça. Mas dá para fazer uma medida provisória, por exemplo. E isso valeria como lei. Ela seria questionada pelo Supremo e classificada como inconstitucional, mas, até lá, as pessoas ficariam desprotegidas — avalia ela, que também é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Outro ponto que Maria Berenice levanta é o da restrição, por tabela, de outros direitos associados ao casamento, como o direito a pensão e herança.
Para quem já se casou, não existe questionamento. A pessoa tem esses direitos de pensão, por exemplo, assegurados. Mas, para quem ainda não se casou oficialmente, esses outros direitos também podem estar comprometidos — afirma a advogada. — Não há como ter certeza se o novo presidente tentará algo nesse sentido. Tomara que não. Mas, com base no que ele já disse, é possível. Então senti que era meu dever alertar.
Segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pedro Nicoli, se a ordem constitucional continuar sendo respeitada no país, o direito não será restringido.
Se o Estado de Direito se mantiver operante neste país nos próximos quatro anos, não caberia ao legislativo retroceder na questão e nem à presidência, já que o STF já se manifestou, a menos que se rompa com a ordem constitucional estabelecida.
Ele explica que, ao tomar a decisão sobre a união de pessoas do mesmo sexo, o Supremo evocou o inciso quarto do artigo terceiro da Constituição, que diz que é dever da República " promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
O temor que existe na comunidade LGBT e também na comunidade jurídica é que se tente algum tipo de manobra, um temor que se justifica devido aos conteúdos homofóbicos que o presidente eleito já veiculou — opina Nicoli, que pertence ao Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero da UFMG (Diverso). — Na minha compreensão, o que existe é um direito fundamental, previsto na constituição, que se for desafiado de alguma forma por algum ato da presidência, estará submetido ao controle de constitucionalidade e será retomada a garantia prevista e já declarada pelo STF.Fonte: G1, por Ana Paula Blower, Clarissa Pains e Paula Ferreira, 05/11/2018
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