Certamente haverá quem afirme que numa sociedade com graves problemas de organização e infraestrutura, assolada por violência e corrupção, é bizarro que o contribuinte esteja a custear um agente público para perseguir o objetivo de impedir um casamento entre dois homossexuais (…) Por isso o desenvolvimento didático de argumentos técnicos é mais útil em peças processuais do que a ênfase na adjetivação.”
As afirmações são do desembargador Sebastião Cesar Evangelista e constam da sua decisão em julgamento de apelação cível interposta por representante do Ministério Público do Estado contra sentença que julgou improcedente pedido de impugnação ao casamento e homologou uma união homoafetiva em Florianópolis.
De acordo com os autos, o titular da 13ª Promotoria de Justiça da Capital, Henrique Limongi, requereu ao TJSC a reforma da sentença defendendo que “com clareza de fustigar a visão, o Direito Brasileiro repele, com todas as letras, a entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo – o popularmente chamado ‘casamento gay’, ou ‘união homoafetiva'”.
“Entendimento diverso como o deitado na sentença impugnada – soa bizarro, portanto”, pontuou o representante do MPSC na apelação.
No entendimento do promotor, o art. 1º da Lei n. 9.278/96, os artigos 1.514 e 1.723 do Código Civil e o art. 226, § 3º, da Constituição da República “evidenciam a impossibilidade da habilitação para o pretendido casamento”.
Argumentou, ainda, que a sentença amparou-se em equivocada interpretação de precedentes do STF, “que em maio de 2011 – ADI 4277 e ADPF 132 -, reconheceu como hígida a União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Naquele então, a Corte Maior sequer aludiu a casamento – tema sobre o qual o Supremo não se debruçou”.
O promotor defendeu, também, que a Resolução número 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autoriza a formalização de casamento entre pessoas do mesmo sexo, é inconstitucional, eis que “não pode, jamais, se impor à Lei muito menos à Lex Máxima!” (sic).
Ao analisar a apelação, o desembargador classificou-os de “assaz genéricos” seus argumentos, e desferiu críticas ao representante do MPSC.
O argumento poderia ter sido melhor desenvolvido. Conforme disposto no artigos 948 e seguintes do Código de Processo Civil, é lícito à parte arguir a inconstitucionalidade de norma em controle difuso e, sendo acolhida a pretensão pelo órgão fracionário, a matéria será submetida a exame no Órgão Especial. Assim, ao sustentar que a norma inserta na Resolução n. 175 do CNJ desafia a Constituição da República, a forma técnica de apresentação da tese seria o requerimento de instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade. Conforme bem destacado no parecer da Procuradoria de Justiça, entretanto, estaria em conflito com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”, pontuou o magistrado.
Depois de destacar que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já pontuaram não se admite tratamento discriminatório entre relações conjugais, sejam entre casais heterossexuais ou homossexuais, o desembargador antou:
Nesse contexto, revela-se fora de lugar a referência à suposta “bizarrice” da fundamentação da sentença. Na prática jurídica é comum que colidam entendimentos pessoais diferentes sobre a interpretação e aplicação de normas jurídicas. Mas nesse confronto, argumentos bem elaborados e apresentados de forma respeitosa são os que realmente contribuem para a criação e consolidação de entendimentos sobre matérias que um dia foram objeto de debate.
É certo que está sob exame um tema sensível, por questões ligadas a tradições, convicções religiosas e noções diferentes sobre normas morais. Respeitada a liberdade de pensamento, uma pessoa pode perfeitamente avaliar que o entendimento jurisprudencial firmado a partir da ADI 4277 é inapropriado e que o casamento, em hipótese alguma, poderia ser celebrado entre pessoas do mesmo gênero. Mas o processo não é o locus apropriado para considerações sobre o que uma pessoa, no seu íntimo, considera bizarro. Certamente haverá quem afirme que numa sociedade com graves problemas de organização e infraestrutura, assolada por violência e corrupção, é bizarro que o contribuinte esteja a custear um agente público para perseguir o objetivo de impedir um casamento entre dois homossexuais. É uma questão de perspectiva. Por isso o desenvolvimento didático de argumentos técnicos é mais útil em peças processuais do que a ênfase na adjetivação.
De acordo com matéria publicada no Jornal Notícias do Dia (leia neste link), o promotor de Justiça Henrique Limongi já tentou anular, sem sucesso, mais de 100 casamentos entre pessoas do mesmo sexo em Florianópolis, o que teria provocado reações da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB/SC.
Apelação Cível n. 000628-03.2016.8.24.0091
Fonte: JusCatarina, 14/11/2018
Fonte: JusCatarina, 14/11/2018
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