A cada seis horas, uma vítima procura a polícia no estado para denunciar casos de intolerância. Só no ano passado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 1.511 registros de injúria qualificada por preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem e condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência — basicamente, a tipificação que abrange quase todas as formas de discriminação, exceto a homofobia. No capítulo final da série de reportagens “Um Rio de Ódio”, o EXTRA mostra que, apesar de tão frequentes nas delegacias, esses crimes se alimentam da dificuldade do poder público em punir os culpados: no mesmo período, apenas 23 réus foram responsabilizados por seus atos preconceituosos, numa média de 61 ocorrências para cada condenação.
Nem todo tipo de discriminação chega à delegacia, então temos que ter em mente que esse número não representa a realidade como um todo. Os dados de intolerância são muito maiores — pondera Ivanir dos Santos, porta-voz da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
As estatísticas que temos hoje sobre violência motivada por homofobia são alarmantes, mas não chegam a 20% da realidade — acrescenta Almir França, presidente do Grupo Arco-Íris.
Com pena de um a três anos de prisão, o crime de injúria por preconceito é menos grave do que o de racismo em si, definido pela Lei 7.716, que pode render até cinco anos de reclusão e é tanto inafiançável quanto imprescritível. As condenações, porém, são ainda mais raras: somente uma em todo o ano passado.
Essa figura da injúria qualificada acabou desviando demais o foco, e o racismo deixa de ser aplicado em muitos casos — afirma a defensora Lívia Casseres, coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos da Defensoria Pública do Rio.
A gente aprende numa sociedade racista a ser racista. E só vamos desaprender com medidas cotidianas de educação, de reparo e de punição aos culpados — resume Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil.
Era o finzinho da terça-feira de carnaval. Lisa Marinho, de 28 anos, desceu de seu apartamento no Leblon com o cachorrinho de colo para se despedir de amigas que a visitavam. Ao voltar para o elevador, encontrou uma vizinha que a impediu de subir. A mulher afirmou que ela deveria usar o de serviço, àquela hora já desligado. E passou a desfilar impropérios.
Sua baianinha de merda. Gentinha assim não deveria poder morar na Zona Sul — disparou a vizinha, em meio a várias outras agressões.
Mestranda em Engenharia de Minas no Rio há dois anos, Lisa é uma mostra de que racismo, homofobia e intolerância religiosa não são os únicos crimes de ódio presentes no estado. A sensação de desamparo diante das autoridades também se repete.
Após o ataque, a jovem ligou para a PM, que não foi ao local. No dia seguinte, procurou uma delegacia, mas não foi atendida devido à greve. Ouviu, então, um agente orientá-la a registrar o caso pela internet, acrescentando que “não levaria a nada, não”. Ela insistiu na denúncia e só foi chamada para depor na última semana.
Sinto impotência quando a própria polícia acha que é um crime de menor gravidade — desabafa Lisa.
‘Ainda não há uma delegacia’
Como diminuir os crimes de ódio?
Há o projeto (de 2011) da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que iria centralizar os registros. Existe aceitação do chefe da Polícia Civil, mas, com a crise, não tem previsão para que saia do papel.
Por que a Decradi é necessária?
O maior problema é quando a vítima não encontra um ambiente apropriado para fazer o registro, algo comum sobretudo nos casos de intolerância religiosa e homofobia. São pessoas que se sentem constrangidas dentro da delegacia.
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