Bisavô de 95 anos se assume gay e provoca reflexão sobre velhice e homossexualidade

terça-feira, 28 de março de 2017

Liberdade. Roman Blank, 95, sobrevivente do Holocausto e que ficou 60 anos casado, conta ao youtuber Davey Wavey sobre a decisão de se revelar homossexual

Bisavô de 95 anos que se revelou gay abre debate sobre o tema na terceira idade

Assumir a homossexualidade é uma decisão difícil para a maior parte das pessoas, pois não se sabe de que forma a revelação irá afetar a vida afetiva, familiar e profissional. Por isso, muitos acabam deixando a revelação em último plano. E, quando a velhice e a homossexualidade ocupam os mesmos espaços, o preconceito e a exclusão costumam aparecer em dose dupla. Por outro lado, para outros, é quando chega a terceira idade que a vida pode ganhar todo um novo sentido.

Recentemente, o bisavô inglês Roman Blank surpreendeu o mundo ao se declarar homossexual aos 95 anos. A revelação desse senhor, que sobreviveu ao holocausto, foi casado por mais de 60 anos com uma mulher e tem dois filhos, foi feita ao youtuber Davey Wavey em vídeo que já teve mais de 405 mil visualizações.
Eu disse para eles (família) que nasci e fui gay a minha vida toda. Então, contei a eles toda a tragédia que foi a minha vida, para que eles pudessem entender o que houve comigo. Você pode imaginar 90 anos no armário?”, disse Roman.
Orgulhoso de sua coragem, um dos netos, Brando Gross, decidiu registrar essa história no documentário “On My Way Out” (“A Caminho de Fora”, em tradução livre), que ainda está sendo produzido.
Há, de fato, um número maior de pessoas se revelando, aponta o psicólogo e psicoterapeuta de terapia afirmativa para homossexuais Klecius Borges. Com base em relatos feitos em seu consultório, em São Paulo, ele atribui esse comportamento “às mudanças comportamentais e sociais em relação à sexualidade e também a uma ênfase maior na busca por uma vida mais feliz e livre”.

Por outro lado, quem acaba adiando demais essa manifestação costuma ter que lidar também com os prejuízos e os sintomas decorrentes do processo de autorrepressão, como depressão, ansiedade, abuso de substâncias (álcool, cigarro e outras drogas), doenças psicossomáticas, entre outras, diz Borges.

Segundo uma pesquisa realizada em 2012 pela ONG inglesa Stonewall, o preconceito e a falta de direitos civis acentuam as consequências do envelhecimento para os homossexuais. Resultados semelhantes também foram encontrados no Brasil. Dados apresentados pela psiquiatra Carmita Abdo durante o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, em 2014, indicam que os idosos LGBTs são mais propensos a sofrer de depressão: 24% das lésbicas e 30% dos gays, contra 13,5% de heterossexuais.

Situações de maus-tratos e solidão, que acometem a população idosa em geral, são ainda mais preocupantes entre os gays. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. O levantamento aponta que, entre a população com mais de 61 anos, existem 2,2% de homossexuais e 1,8% de bissexuais do sexo masculino. O índice, porém, não reflete, necessariamente, a sociedade, haja vista que muitas pessoas não revelam sua orientação.
Preconceito interno. No livro “Ao Sair do Armário, Entrei na Velhice... Homossexualidade Masculina e o Curso da Vida”, escrito pelo ativista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Murilo Peixoto da Mota, chama atenção o preconceito entre os próprios homossexuais. No caso da velhice, os próprios LGBT discriminam seus pares que chegam a essa idade, logo tachados de “bichas velhas”.
Vivemos em uma sociedade que cultua a juventude, o velho é encarado como feio, não sexualmente atraente”, diz.
Na avaliação da coordenadora da especialização em geriatria da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Minas Gerais, Ana Cristina Nogueira, em Belo Horizonte ainda é difícil que os idosos falem sobre sexualidade nos consultórios, pois “foram criados com muito rigor, preconceitos e religiosidade”.
Tive um paciente que me falou uma vez que ser uma ‘bicha velha’ era impossível, usando um termo que transparecia uma autoimagem horrível”, contou.
Para Ana Cristina, a revelação desse segredo, embora possa causar sofrimento, pode também ajudar a curar feridas familiares. Ela ressalta que,
para muitos idosos, as questões relativas à aceitação por parte dos outros tendem a ser menos significativas, pois já estão em um estágio da vida em que valorizam a liberdade e sabem que têm menos tempo para serem felizes”.
Fonte: Com informações de O Tempo, 26/03/2017, por Litza Mattos


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