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segunda-feira, 18 de abril de 2016

Em São Paulo, registro ‘rápido’ de bebê com duas mães


SP faz 1º registro ‘rápido’ de bebê com duas mães

Há um mês, provimento da Corregedoria Nacional de Justiça facilitou procedimento; paulistanas comemoram fim da burocracia

A administradora de empresas Márcia Pam, uma das mães de Melissa e Gustavo, assim define sua situação em um passado recente: antes eram duas gravidezes – a biológica e a burocrática. Registrar com o nome dos verdadeiros pais uma criança gerada por reprodução assistida costumava levar outros nove meses. Com a publicação, há um mês, de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça, entretanto, o trâmite foi simplificado. E começam a surgir os primeiros beneficiados.

Márcia, de 40 anos, e a designer Carolina Costa Azevedo, de 35, vivenciaram as duas situações. Há quatro anos, quando tiveram a primeira filha, Melissa Yumi, enfrentaram um longo processo jurídico para conseguir registrá-la corretamente – a menina é fruto de fertilização in vitro de óvulo de Carolina e foi gerada por Márcia.

Com a nova gravidez – resultado de fertilização do óvulo de Márcia e gestação de Carolina -, já esperavam uma nova saga. “Mas fomos informadas, no cartório, que agora seria mais simples”, conta Márcia. Gustavo Seiji nasceu no Hospital e Maternidade Santa Joana no dia 3 e foi registrado como filho das duas mães automaticamente na segunda passada. “Tudo muito rápido”, diz a administradora. O registro só não foi imediato porque elas não haviam providenciado antes a declaração do diretor da clínica de reprodução assistida à qual recorreram – o documento é exigido pelo provimento da Corregedoria.

De acordo com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen), o registro de Gustavo Seiji foi o primeiro caso na cidade sob o novo modelo. Com a experiência das agruras do sistema antigo e o alívio pela facilidade atual, Márcia e Carolina não se importam em dar publicidade à história – muito pelo contrário. “É importante que as pessoas saibam que ficou mais fácil garantir esse direito à cidadania”, diz Márcia. “Um processo judicial, como o que ocorria anteriormente, era desgastante e ainda expunha de modo desnecessário uma criança recém-nascida.”

Avanços. O provimento da Corregedoria é considerado uma conquista para as famílias que, antes, dependiam do despacho de um juiz para poder registrar seus bebês – em processos longos em que a criança ficava sem identidade e sem acesso a benefícios como plano de saúde dos pais. A mudança não beneficia apenas casais homoafetivos, mas todos aqueles que lançam mão de técnicas de reprodução assistida.

É o caso de uma angolana que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato. Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), ela e o marido, um operador de computadores também angolano, são os primeiros beneficiados de uma escritura assinada sob os termos do novo provimento – o documento foi lavrado no dia 14. “Em minha cultura, é vergonhoso para uma mulher não conseguir engravidar”, afirma ela, que tem um grave problema no útero e veio para o Brasil em busca de uma solução.

Foram vários tratamentos frustrados desde 2010, com passagens por clínicas da capital e algumas idas e vindas para Angola. No ano passado, ela e o marido se convenceram: o caminho seria recorrer a uma maternidade de substituição, nome jurídico do procedimento conhecido como “barriga de aluguel”. No caso, combinando material genético do marido e óvulo doado por pessoa anônima.

Uma prima da mulher aceitou ser a barriga de aluguel voluntária – e prontamente providenciaram a vinda dela para o País. Ela acaba de entrar no oitavo mês da gestação e, como já assinou a escritura de consentimento prévio, está tudo pronto para a criança ser registrada com o nome do casal tão logo nasça.

“Como foi o primeiro caso, levamos 48 horas para preparar o documento. Mas, nos próximos, ficará pronto na hora”, conta o tabelião Paulo Roberto Gaiger Ferreira, do 26.º Cartório da capital e vice-presidente da Seção Paulista do CNB.

“O provimento representa uma desburocratização e o reconhecimento da autonomia das pessoas”, diz Ferreira. “Trata-se de ato administrativo que trará grande utilidade prática, uma vez que é contemporâneo às inovações científicas da área”, avalia a advogada Ana Lúcia Scheufen Tieghi, especialista em casos assim – e que auxiliou o casal de angolanos.

Precedente. Em São Paulo, na prática, o processo já vinha sendo simplificado desde 2014. Em sentença publicada à época, o juiz Marcelo Benacchio, titular da 2.ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, determinava que os casos do gênero fossem submetidos à corregedoria permanente, sem precisar passar mais por um tribunal. “Mas agora houve uma evolução muito grande. Vai ajudar muito as pessoas. É ótimo do ponto de vista da cidadania”, afirma Benacchio. E, mais importante: a medida vale em todo o País.

“Se antes obrigatoriamente tínhamos de fazer um procedimento de dúvida e encaminhar para autorização da Corregedoria, em um processo que costumava levar duas semanas, atualmente é um trâmite resolvido na hora”, compara a oficial cartorária Silvana Mitiko Koti, do 2.º Subdistrito de Registro Civil de São Paulo, na Liberdade – foi ela quem orientou as mães e, depois, registrou o pequeno Gustavo Seiji.

Família completa, Márcia e Carolina são só sorrisos: símbolos de um tempo em que a cidadania é mais abrangente, materialização de um sonho de que os direitos possam ser de todos.

Fonte: Estado de SP, por Edison Veiga, 

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