A história do menino André e suas duas mães

sexta-feira, 8 de abril de 2016


Não faço questão de dizer, só não faço questão de esconder”, diz mãe de André Lodi sobre homossexualidade

A participação do jovem André Lodi, 14 anos, no programa Altas Horas, do sábado (2), virou assunto obrigatório, especialmente nas redes sociais. O jovem, filho de Ana Lucia Lodi, 50 anos, nasceu e cresceu em uma família homoafetiva. Ana Lucia era casada com Ana Claudia, à época. Juntas, decidiram que teriam uma família. Ana Lucia foi a primeira lésbica brasileira a fazer inseminação artificial com doador anônimo. Quatro anos depois, Ana Claudia, seguindo o mesmo procedimento, engravidou (do sêmen do mesmo doador) e deu à luz Anna Laura.

No programa de Serginho Groisman, André respondeu dúvidas da plateia sobre sua vivência, e, ao ser abordado pelo jovem Bruno, que questionou qual foi sua reação ao descobrir que tinha duas mães, Lodi só devolveu a pergunta: "Quando você descobriu que tinha um pai e uma mãe."

O vídeo viralizou, gerou debates acalorados, mas deixou clara a formação transparente de Lodi. Para ele, não havia o que ser questionado sobre seu núcleo familiar. Para o jovem da plateia, que afirmou ser "normal uma família com pai e mãe", para André não há dúvidas sobre a normalidade de sua família de duas mães.

A tranquilidade com que Andre Lodi lidou com a questão, que veio carregada de um preconceito velado, escancara a boa estrutura emocional que ele tem para lidar com a situação e isso é mérito de suas mães, especialmente de Ana Lúcia Lodi, com quem mora depois de as duas terem se separado. Hoje Ana Lucia tem uma nova esposa, Letícia, que também convive em harmonia com as crianças. Conversei com Ana Lúcia Lodi para saber mais sobre a história deles. Confira na entrevista a seguir.


Você sempre sonhou em ter filhos?

Desde que tive a primeira mulher da minha vida, e eu fui a primeira da dela, a minha questão sempre foi que ela não queria ter filhos. Na época, não pensei muito nisso, não foi uma preocupação imediata. Dois anos depois, eu já tinha um bom emprego, tinha uma casa legal, mas persisitia um sentimento de que estava faltando alguma coisa. Acordei uma madrugada, sentei na varanda e percebi que aquela angústia era a falta da perspectiva de ter filhos. Mas conversei com amigos, terapeutas, e muita gente me abriu os olhos de que, se eu desejasse, poderia ter filhos.

Você temia que seu filho fosse enfrentar problemas por ter uma mãe lésbica?

Eu conversei com muitos amigos, terapeutas, e gente que convive com crianças, e percebi que elas podem ser vítimas de tantas coisas, um coleguinha pode chamar de gay, ou agredir por tantos motivos, não importa. Para ela enfrentar tudo o importante é como a criança se sente amada e segura para resolver o problema, seja qual for.

Ao decidir que queria filhos, você engravidou logo?

Eu devia ter uns 23, 24 anos quando tomei essa decisão, não estava pronta para ser mãe naquele momento, mas já era certo de que eu iria ter. Passei uns dez anos pesquisando como seria isso, se teria com outra pessoa, com um amigo. Eu queria um núcleo familiar meu. Mas a pessoa com quem eu estava casada quando resolvi que era hora, não queria ter filhos. Aí o casamento acabou.

Mas você já estava decidida a ser mãe... e aí?

Conheci outra pessoa, um ano depois a gente se casou, já com o projeto de ter filhos. Primeiro a gente resolveu viver o casamento, mas eu já estava com 34, 35 anos, e aquela vontade "tá na hora, tá na hora". Eu fiz a inseminação primeiro, quatro anos de pois ela fez. As crianças são frutos do mesmo doador anônimo de sêmen, eu gerei o André, ela gerou a Anna Laura. Mas um relacionamento homoafetivo tem os mesmos percalços que qualquer outro. Quando Andre tinha 5 anos e Anna Laura tinha 1 ano, nós nos separamos. Hoje André mora comigo, Anna Laura com ela, mas eles vêm e vão como em qualquer casal, passam um fim de semana comigo, outro com ela, as duas casas são deles.

O que você achou da postura do André no programa Altas Horas?

André tem vivência de, desde sempre, questionar e desconstruir esses conceitos, e ele deu a oportunidade de o rapaz da plateia refletir sobre o que estava dizendo. André foi tentando fazer com que ele se ouvisse, usou a técnica de retórica. Andre e Anna Laura foram criados desta forma, a pergunta do menino não fez sentido para ele, pra André é o seu normal. Ele não nasceu em outra família, desde sempre foi assim. E o Bruno no final fez sinal de OK, concordando com André. Ele conduziu aquele jovem à reflexão. É semelhante a quando dizem que ser gay é uma escolha ou é uma orientação, e as perguntam "Quando você optou em ser gay?. Em que momento você resolveu ser hetero?

Muita gente disse que André fez sozinho o que a militância pode levar anos para conseguir. Você milita pela causa homoafetiva?

Eu nunca tinha sido militante, mas nunca me escondi. Mas o famigerado Estatuto da Família me incomodou. Sempre tive uma militância suave e passiva. Eu não faço questão de dizer que sou lésbica, só não faço questão de esconder. Se perguntam, respondo com naturalidade. Nós já tínhamos um grupo de mães em mídias digitais, para trocar experiências sobre crianças com as mesmas formações familiares. Fazíamos alguns encontros presenciais, e num desses encontros, já havia tido uma das mães, que é servidora no Senado, que solicitou uma audiência pública. O objetivo era mostrar que as famílias homoafetivas devem ser tão respeitadas e contempladas pelas políticas públicas como qualquer outra.

Há um porta-voz das famílias homoafetivas no Brasil?

O termo família homoafetivo já ficou pequeno para o escopo que a gente quer contemplar, mas nós participamos do XII Seminário LGBT na Câmara dos Deputados, em Brasília, e criamos o embrião do que veio a ser a Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas criada em maio de 2015. Rogério Koscheck é o atual presidente da associação e Marília Serra, a vice-presidente. Em outubro do ano passado registramos a associação e faremos o nosso primeiro congresso entre os dias 27/28 junho, com apoio da Organização dos Estados Americanos, da OAB, do Instituto Brasileiro do Direito de Família, da Fiocruz e do Governo do Canadá. Também estamos com uma campanha de arrecadação de fundos para viabilizar esse encontro e temos um site da Abrafh.

Fonte: Blog da Deborah Bresser, 05/04/2016

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