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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Quando as lésbicas mudaram o movimento homossexual brasileiro para de gays e lésbicas



Há 30 anos, no dia 04 de setembro de 1993, iniciava-se o VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais (04-07/09), dando início à alteração, para GL a princípio, do nome dos encontros nacionais e do próprio movimento pelos direitos homossexuais, genericamente chamado até então de Movimento Homossexual Brasileiro (MHB).

Embora, no exterior, já se usasse inclusive a sigla LGBT à época, aqui a simples inserção da palavra lésbica se deu sob forte oposição dos grupos Gay da Bahia (GGB), Triângulo Rosa (RJ) e Dignidade (PR), entre outros (p. 4), que alegavam haver redundância na inserção do vocábulo "lésbica", pois homossexual era comum de dois gêneros, que a palavra lésbica era agressiva, que ia confundir a imprensa, que era divisionista, etc... Foi necessário que a comissão organizadora do encontro, composta, pela primeira vez, também por dois grupos lésbicos (Um Outro Olhar e Deusa Terra), fizesse consulta, com votação, a todas as organizações do país no período, para que o encontro se realizasse já com a inserção do termo polêmico. Com a anuência da maior parte dos grupos e moções de apoio de grupos feministas, de prevenção à AIDS, e até de grupos de gays e lésbicas do exterior, a vitória foi conquistada.

Polêmico também por ter sido realizado num reduto petista, Instituto Cajamar (devido à falta de condições financeiras de realizá-lo em São Paulo), o encontro foi um divisor de águas na história do movimento pelos direitos homossexuais. Divisor de águas não só por ter inserido a palavra lésbica (proposta por Míriam Martinho) e a discussão sobre sexismo no movimento (questão nunca bem resolvida até hoje) mas também por ter mudado a estrutura dos encontros, que passaram a ser mais profissionais, e ter dado início ao que viria ser a futura Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) (p. 25). O Encontro reuniu igualmente militantes do início do movimento, que ficaram ausentes do mesmo por praticamente toda a década de 80 (p. 29), a então secretária-geral da ILGA, Rebeca Sevilla e até o cônsul americano do período (pp. 4, 5 e 6). 

Outro ponto polêmico do evento foi o relativo à inclusão da não discriminação por orientação sexual na revisão constitucional da época. A proposta foi rejeitada pelo encontro por se acreditar que a inclusão não seria tecnicamente viável (pp. 15-16). Em vez dela, propôs-se a criação de uma lei extravagante que tipificasse os crimes cometidos contra a livre orientação sexual nos termos do inciso IV, artigo 3 (embrião da futura lei contra a homofobia). De fato, por ampla maioria de votos (250 contra, 53 a favor e 7 abstenções) foi rejeitada, em 02/02/94, no Congresso Nacional, a proposta revisional que previa a inclusão da expressa proibição de discriminação por orientação sexual na constituição brasileira (p. 15).

Na plenária final do encontro, entre outras deliberações, ficou decidido que os próximos encontros teriam a denominação de Encontros Brasileiros de Gays e Lésbicas. O encontro seguinte, realizado em Curitiba, em 1995, ficou definido como VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas. No decorrer deste, as travestis reivindicaram e tiveram aprovada, sem polêmicas, a inserção do T para os encontros seguintes. Na década de 90, também o portal Mix Brasil ajudou a popularizar o termo lésbica, com a divulgação da expressão GLS, os grupos mistos passaram a se definir como gays e lésbicos e outras organizações especificamente lésbicas surgiram no Brasil.

A versão digitalizada do relatório do VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais. pode ser lida e baixada aqui. No boletim Um Outro Olhar 21, às páginas 8 e 9, e 16 a 19, também podem ser encontradas mais informações sobre o evento. Boa leitura!

Míriam Martinho

São Paulo, 07/09/2019

(reedição em 10/09/2023)

2 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Eu gostaria de saber onde se encontram arquivados os relatórios dos encontros de Lésbicas e Homossexuais como este que esta disponível aqui no site.

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  2. Olá, tudo bem? Eu gostaria de saber onde se encontram arquivados os relatórios dos encontros de Lésbicas e Homossexuais como este que esta disponível aqui no site.

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