Da Babilônia ao Boticário: os pastores do contra

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Destaque

No Brasil, provavelmente nunca nos livraremos destes pastores da divisão, barulhentos e oportunistas. Sempre haverá mercado para seu discurso de intolerância, mas o trabalho das verdadeiras ‘pessoas de bem’ é garantir que aquele mercado seja cada vez menor, com menos ibope e sem liquidez. 
Nenhuma luta é mais justa do que a luta pela igualdade, e nenhuma ideia está mais madura para vingar do que esta — seja no mercado de ideias, no capitalismo, ou dentro das famílias, e a despeito da inércia e da ignorância.
Da Babilônia ao Boticário: os pastores do contra

Por Geraldo Samor


Em 2010, a Pixar — o estúdio que deu ao mundo Toy Story, Procurando Nemo e Os Incríveis — resolveu fazer um vídeo com seus funcionários gays para tentar reduzir o suicídio entre adolescentes que, por causa de sua sexualidade, são vítimas de bullying ou isolamento social.

O vídeo da Pixar — que assegurava aos jovens que ‘é o.k. ser diferente’ — era parte do projeto “It gets better” (“As coisas vão melhorar”), que já recebeu outros 50 mil vídeos de solidariedade e testemunhos pessoais, com mais de 50 milhões de acessos no YouTube.

No ano passado, o CEO da Apple, Tim Cook, escreveu um artigo dizendo ter orgulho de ser gay. Cook disse que queria ajudar pessoas que estão ‘dentro do armário’ a ter coragem e dignidade.

Também nos EUA, há muitos anos ninguém levanta as sobrancelhas quando as empresas fazem comerciais mostrando o afeto entre dois homens ou duas mulheres.

Na economia mais desenvolvida do planeta, o mercado de ideias chegou a um veredito: a igualdade é um bem público, um valor moral, e, de quebra, good for business.

Trata-se de uma conquista civilizatória, que começou com a abolição da escravidão e se sedimentou com o movimento pelos direitos civis do século passado. (Veja Selma e Milk.)

Contra este espírito — a ideia aparentemente simples de que a igualdade é uma coisa justa e que deve ser abraçada — insurge-se no Brasil um pastor. Pastores.

Primeiro, um pastor condenou um ato de amor — um beijo na novela Babilônia — e pediu boicote a um patrocinador, a Natura.

Depois levantou-se um outro, cuspindo veneno contra uma propaganda do Boticário que ousou falar do amor entre iguais, em vez de ficar no papai e mamãe.

Profundamente incomodado, este pastor também pediu boicote, evocou o santo nome do “Estado democrático de direito” para exercer o direito de dar sua “opinião”, e esbravejou em frente à câmera qual um adolescente inseguro buscando se afirmar, tentando achar sua voz e identidade.

A diferença entre os adolescentes e alguns homens ‘de igreja’ é que estes pastores entendem bem o seu lugar no mundo, e sabem exatamente o que querem — e, ao contrário da Natura e do Boticário, não é nada perfumado.

O objetivo de certos pastores não é guiar o rebanho, mas hipnotizar serpentes. Não estão na missão de espalhar o amor, mas de semear divisão, invocando para isto a suposta ‘vontade de Deus’ ou ‘o que está nas Escrituras’.”

Mesmo antes da Igreja Católica resolver abandonar (recentemente) sua postura de guardiã de certos dogmas, alguns ‘líderes’ evangélicos já estavam desesperados para ocupar aquele nicho escuro e mofado.

Os pastores brasileiros têm similares no mercado de ideias dos EUA. Eles se assemelham a uma igreja que existe lá, e que também divide as pessoas em duas categorias — de um lado, as ‘pessoas de bem’; do outro, os gays e os judeus. (Desculpem, esqueci de colocar aspas quando escrevi igreja.)

A ‘igreja’ americana que é irmã espiritual de alguns pastores brasileiros é a Westboro Baptist Church, um grupelho de 40 pessoas cuja rotina inclui fazer piquetes em enterros de jovens gays que foram assassinados ou se mataram — “Deus odeia as bichas”, eles gritam, felizes.

No Brasil, provavelmente nunca nos livraremos destes pastores da divisão, barulhentos e oportunistas. Sempre haverá mercado para seu discurso de intolerância, mas o trabalho das verdadeiras ‘pessoas de bem’ é garantir que aquele mercado seja cada vez menor, com menos ibope e sem liquidez.

Nenhuma luta é mais justa do que a luta pela igualdade, e nenhuma ideia está mais madura para vingar do que esta — seja no mercado de ideias, no capitalismo, ou dentro das famílias, e a despeito da inércia e da ignorância.

Contra os pastores do ódio, há o exorcismo da educação, a benção da informação e, claro, o perdão infinito. Setenta vezes sete. “Sim, senhor, eles sabem o que fazem, mas são pobres coitados, pois mendigam atenção enquanto (não) tentam encontrar uma ideia honesta.”

Fonte: Veja Mercados, 04/06/2015

1 comentários:

  1. Ótimo texto. Eu também senti vontade de vomitar quando ouvi um ignorante tentar deturpar a Constituição da mesma forma como ele faz com a bíblia.A insegurança daquele homem é nítida, até mesmo no timbre de voz que muda toda vez que ele pronuncia a palavra "macho". Videosinho ridículo! Quem ele pensa que é para achar que tem mais direitos que qualquer outra pessoa? Quem é ele para se sentir livre ao cuspir tanto preconceito? Alguém que tiver estômago para isso deve explicar àquele animal a diferença entre liberdade de expressão (que, aliás, todos os gays têm) e preconceito ou apologia a crimes de ódio.

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