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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Conservadores usam encenação da crucificação de Cristo na Parada LGBT de Sampa como pretexto para acelerar seus projetos contra a cidadania LGBT

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”, disse Jesus

Conservadores, encabeçados pelos homofóbicos evangélicos de sempre, deram o maior piti, na semana passada, porque a atriz Viviany Beleboni encenou a crucificação de Cristo, na Parada LGBT de Sampa (07/06), colocando no topo da cruz a mensagem: "Basta de homofobia com GLBT".

Segundo esses conservadores, a imagem seria um desrespeito à fé cristã. Se não soubéssemos o quanto são preconceituosos, diríamos que é difícil entender porquê. De fato, já houve manifestações de gente sem noção simulando, em plena rua, atos libidinosos com estátuas de imagens católicas, sob pretexto de protesto contra a nada santa madre igreja. Até eu, que em nada aprecio a fé cristã e sua iconografia mórbida, achei o espetáculo grotesco e despropositado da mesma forma que me indignei contra imagens de santas sendo chutadas ou quebradas por evangélicos ensandecidos. Há limites para tudo. É preciso ter inteligência e sensibilidade - coisa rara hoje em dia - para não ultrapassá-los.

No caso da encenação do Cristo crucificado, pela travesti Viviany Beleboni, não houve, contudo, nenhuma ridicularização ou profanação da imagem do símbolo máximo dos cristãos. Ele foi apresentado exatamente como a mitologia cristã o ofereceu ao mundo naquele momento dramático que parece condensar a mensagem dessa fé. E a mensagem da atriz também foi muito clara: chamar a atenção para o sofrimento, até mesmo o martírio, da população LGBT, em particular travesti/transexual, devido ao preconceito, a discriminação e mesmo a violência física que a aflige. 

E a atriz sequer foi pioneira nesse tipo de encenação, o que poderia, pelo inusitado da manifestação, ter causado impacto exagerado. À parte ser o símbolo da fé cristã, a imagem do Cristo crucificado é um elemento da cultura brasileira, por sua formação católica, sempre lembrada quando alguém quer dizer que uma pessoa ou um grupo social está sendo malhado por todos, martirizado, sofrendo intensamente. Daí a encenação da crucificação do Cristo já ter aparecido em demonstrações de ruas, em capas de revista, manifestações artísticas, etc. Não se viu ninguém sair gritando "cristofobia" contra elas (ver as imagens abaixo).


Então, a suposta ofensa indiscutivelmente se deveu apenas ao fato de o Cristo ter sido personificado por uma travesti. Foi essa a tal blasfêmia. Certos tipos de gente não seriam dignos de representar o filho de deus. Mas será que o Jesus que defendeu prostitutas, leprosos, pobres e oprimidos concordaria com tal discriminação? Pela trajetória do personagem, acho difícil. Sem esquecer que o próprio Cristo, entre outras coisas, foi crucificado por blasfêmia.

Bancada religiosa afrontando o Estado laico com rezas e protestos desonestos

De fato, este episódio serviu apenas de pretexto para os homofóbicos religiosos (sobretudo os evangélicos) reforçarem ainda mais os ataques aos direitos da população LGBT. Desde então, já rolaram ameaças de processos contra os organizadores da Parada de São Paulo e contra Viviany, projetos de criminalização de uma suposta cristofobia, projetos contra o uso de símbolos cristãos, em paradas LGBT, e tentativas de impedir a realização das próprias Paradas. Isso sem falar na ação bem articulada para barrar nas escolas o que eles chamam de "ideologia de gênero", na prática a educação sexual igualitária que visa substituir a educação diferenciada conservadora a fim de combater desigualdades e exclusões.

O Brasil tem duas causas permanentes de atraso: a esquerda fóssil, anacrônica, hoje jocosamente apelidada de socialista bolivariana, insistindo em ideias que não passaram no test drive da História, e o conservadorismo, sobretudo religioso, obscurantista, reacionário, lutando para manter seu poder de fomentar as desigualdades entre os seres humanos a partir de dogmas ultrapassados. Essas duas forças do atraso parecem se revezar no poder com o objetivo de nos manter na rabeira do mundo.

Depois de mais de uma década de petismo que, entre outras coisas detonou a imagem da esquerda (algo nada bom), temos a ascensão de suas contrapartes extremistas de direita ameaçando nossa democracia e os direitos humanos tão duramente conquistados. Eles investem contra dois dos pilares fundamentais dos Estados modernos: a separação religião-estado e a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Hora de reforçar o primeiro e de lutar sem tréguas pelo segundo. No vídeo abaixo, o historiador Marco Antonio Villa critica a lastimável manifestação de evangélicos e católicos, que incluiu rezas, em dependências do Estado brasileiro que é laico. Uma boa fonte de informações para se contrapor a esses obscurantistas.

Míriam Martinho

São Paulo, 15/06/2015

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