O casal Karin e Glébia Bulcão, que teve duas filhas gêmeas. / FOTO: EVELSON DE FREITAS/ESTADÃO |
Casal de mulheres tem licença-maternidade
Guilherme Faria
ESPECIAL PARA O ESTADO
Em 2013, Glébia Bulcão decidiu que era hora de realizar o sonho de ser mãe. Após consultas com três médicos para avaliar a possibilidade de fazer um tratamento de inseminação artificial, recebeu a notícia de que poderia ter problemas nos rins caso engravidasse. A saída recomendada pelos médicos foi implantar seus óvulos em sua mulher, Karin Bulcão. O procedimento deu certo e, em fevereiro deste ano, ela deu à luz Maria Eduarda e Maria Luiza. Poucos dias antes do parto, as duas analistas de sistema do Citibank receberam licença-maternidade de sete meses.
Conduzido pelo setor de Diversidade do banco, o processo para obter a licença-maternidade dupla das funcionárias é uma das séries de ações que a empresa realiza em prol de seus servidores LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). Esses princípios ainda são raridade, já que poucas companhias adotam práticas voltadas para seus colaboradores homossexuais. E grande parte dos setores de recursos humanos desconhece os princípios jurídicos para aplicar benefícios trabalhistas a esses empregados.
Na avaliação da diretora de Diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Jorgete Lemos, a carência de práticas corporativas para minorias começa na formação dos profissionais que atuam no departamento pessoal. Ela lamenta a ausência do tema na grade curricular dos cursos de administração.
“A diversidade é pouco abordada nos meios acadêmico e corporativo, porque grande parte das organizações não julga que essa área seja relevante”, alega a especialista. Jorgete afirma que a orientação sexual é parte das “informações globais” dos funcionários, e é fundamental que quem lida com a gestão de pessoas leve esse fator em conta.
Mesmo sem ter condições de conceber as gêmeas, Glébia fez tratamento para amamentá-las. Por isso, o casal avaliou que pediria a licença dupla, mesmo receosas de poderem causar problemas com a empresa pelo pedido de afastamento.
Inicialmente, elas procuraram o departamento de Recursos Humanos, que não soube lidar com a questão e encaminhou o caso para o setor de Diversidade da instituição.
INSS aprova. Depois de realizar pesquisa a respeito dos trâmites legais e apurar como foram os procedimentos em outros casos semelhantes, o especialista em Diversidade do banco, Adriano Bandini, consultou o INSS e conversou com a médica do casal. De posse do parecer favorável da Previdência, Bandini protocolou o pedido da licença dupla para a empresa e recebeu uma resposta favorável. O período de afastamento começou a vigorar no dia 14 de fevereiro deste ano.
O casal conseguiu seis meses de licença-maternidade e um mês de férias e as duas puderam se dedicar ao nascimento das gêmeas, que ocorreu quatro dias depois do início do afastamento. “Poder passar sete meses junto das nossas filhas foi uma experiência maravilhosa. Não sei como seria ficar longe delas no começo. Com certeza teria ficado muito mal”, conta Glébia. Segundo Karin, a divisão das tarefas maternas no período propiciou tranquilidade ao casal. “Uma só não daria conta de cuidar das gêmeas”, diz.
De acordo com o especialista em direito do trabalho Rafael de Oliveira, ainda não há regras específicas para amparar os funcionários LGBT. “Não temos ainda um ambiente jurídico de segurança para tratar desta questão. Para julgar os casos, está havendo uma extensão dos direitos dos casais heterossexuais”, conta o advogado.
No caso do Citibank, o banco adotou a causa LGBT como “pilar” no ano passado. Entretanto, segundo Bandini, casais homossexuais já usufruíam dos mesmos benefícios de casais heterossexuais há dez anos, como a inclusão do cônjuge no plano de saúde. “Nossas ações são para garantir a igualdade de oportunidades e reforçar o respeito. O código de conduta é muito explícito: não toleramos nenhum tipo de discriminação”, diz.
Mesmo sem as leis existentes que amparam a maternidade citarem os casais homoafetivos, o jurista afirma que os ganhos de causa para esses profissionais vêm aumentando, o que cria uma jurisprudência favorável a quem entra com ações desse tipo. “Tudo isso vai de acordo com o princípio constitucional da igualdade, e pensar de forma contrária seria discriminatório”, pondera o advogado. Ele afirma que os pareceres vêm mudando desde que a nova lei de adoção foi aprovada, em 2009.
Jorgete Lemos reconhece as boas práticas dos departamentos de Diversidade nas empresas que os possuem, mas defende que não há a necessidade de um setor específico para políticas voltadas às minorias.
“A diversidade tem de ser transversal à gestão de pessoas, portanto é uma questão a ser tratada pelo setor de recursos humanos”, opina. Após voltarem de licença, Glébia e Karin trabalham de casa três dias da semana. Elas ressaltam a importância de ficarem dois dias da semana longe das filhas, que aos poucos vão aprendendo a lidar com a ausência das figuras maternas durante a semana. O especialista de Diversidade do Citibank, que periodicamente promove treinamentos e rodas de bate-papo nos departamentos para tratar do tema, garante que conversou com os gestores do casal. “Queremos garantir que não haja qualquer tipo de desconforto à Glébia e à Karin no retorno”, completa.
O casal torce para que esses benefícios sejam concedidos a mais pessoas que tenham histórias parecidas com a delas. “Nesses casos, mãe não é só quem dá à luz”, pontua Karin.
Fonte: Estado de São Paulo, por Claudio Marques, colaboração Diego Moura, 16/11/2014
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