Homossexuais ampliam direitos trabalhistas
(Valor Econômico, 18/09/2014) Antes restrita a poucas categorias, a concessão de direitos aos trabalhadores homossexuais tem se espalhado nos últimos anos por diferentes convenções coletivas. Grupos como o dos químicos, bancários e, mais recentemente, de metalúrgicos e agricultores têm incluído em seus acordos cláusulas que vão da extensão de benefícios aos parceiros à licença casamento e licença adoção.
O acesso dos trabalhadores a esses direitos, contudo, ainda é bastante limitado em algumas áreas, de acordo com as entidades sindicais. O preconceito e a falta de instrumentos dentro das empresas que resguardem a intimidade dos funcionários muitas vezes inibe pedidos de inclusão do benefício, dizem.
Esse é o caso dos aeroviários de Porto Alegre. Diante da resistência das entidades patronais, a categoria recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para assegurar, em 2011, a inclusão das cláusulas que garantem, além da participação do dependente no convênio médico, o direito aos parceiros de usufruir dos descontos em passagens aos quais os funcionários das aéreas geralmente têm direito. Nos últimos quatro anos, contudo, apenas três trabalhadores da base do sindicato entraram com pedido de inclusão do companheiro, conta Leonel Montezana, diretor da entidade, que atribui ao medo do preconceito a baixa adesão.
Os químicos de São Paulo vivem situação parecida. A cláusula que garante aos parceiros de trabalhadores homossexuais todos os benefícios previstos a dependentes legais já vigora há seis anos. Osvaldo Bezerra, coordenador geral do sindicato, afirma que a pauta entrou no dissídio a pedido de trabalhadores que na época queriam incluir os companheiros no plano de saúde, mas que a extensão, mesmo depois desse tempo, ainda é limitada.
Para contornar essas restrições e garantir a privacidade dos trabalhadores, o Sindicato dos Bancários de São Paulo acordou com as entidades patronais que os pedidos fossem feitos diretamente aos departamentos de RH. “Nem os chefes diretos ficam sabendo”, conta Juvandia Moreira, presidente da entidade. A extensão de direitos ao parceiro começou a valer em 2009 para a categoria, que desde então já conseguiu adicionar novas cláusulas de igualdade, entre elas a licença casamento e a licença adoção.
O diálogo aberto e constante da chamada “mesa de igualdade” fez com que o sindicato se envolvesse em outras questões e sofisticasse o diálogo sobre os direitos dos trabalhadores homossexuais. “Intermediamos o caso de um funcionário de banco que, após as férias, voltou ao trabalho como mulher. Junto ao serviço de assistência social, o sindicato discutiu desde questões práticas, como qual banheiro o trabalhador iria usar, e ajudou na conversa sobre discriminação com a equipe da agência”.
Para Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria, que atua na área de responsabilidade social, os sindicatos chegaram atrasados a um debate que começou dentro das empresas. “As primeiras iniciativas vieram dos departamentos de recursos humanos, os sindicatos ficaram a reboque”, afirma.
O consultor ressalva que a extensão de direitos ao parceiro nos casamentos homossexuais não precisaria ser pleiteada nas campanhas salariais. Ela se tornou um direito previsto em lei desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em 2011, que era inconstitucional que se fizesse distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo. Em maio do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ratificou essa decisão e determinou em resolução que as autoridades competentes não podem recusar a habilitação e celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre homossexuais.
O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) foi pioneiro nesse sentido, lembra Bulgarelli, ao assegurar ainda no ano 2000 a equiparação de uniões estáveis hetero e homossexuais para a concessão de benefícios previdenciários, como pensão em caso de morte. O Conselho Nacional de Imigração também saiu na frente quando, em 2008, lançou uma resolução normativa prevendo a concessão de visto ou autorização de permanência aos companheiros e companheiras de imigrantes em união estável, sem distinção de sexo.
Para ele, a disseminação através dos sindicatos, ainda que lenta, é importante porque “dá escala” e aumenta o alcance das novas garantias a que esses trabalhadores podem ter acesso.
A história dos fruticultores do Rio Grande do Norte é, nesse sentido, exemplar. A primeira reação do representante das entidades patronais ao tema, quando proposto pela categoria, foi um surpreso “e isso existe?”, como conta Francisco Ascendino das Chagas, o Guto, do Sintrafrut. A inclusão da extensão de benefícios ao companheiro legal, também neste caso, veio do pedido de alguns funcionários, há cerca de três anos. “Explicamos que isso existe, sim, em qualquer lugar e em qualquer categoria”, completa o presidente da entidade, que representa quatro mil trabalhadores e tem sede em Assú, interior do Estado.
Os metalúrgicos de Campinas também enfrentaram resistência das empresas. “Nosso meio ainda é bem machista”, comenta Jair dos Santos, presidente do sindicato. Ainda assim, desde 2011, além da extensão de benefícios, foram aprovadas a licença de seis dias para casamento e para casais adotantes. Como a convenção coletiva dos metalúrgicos do município é feita em conjunto com sindicatos das cidades de São José dos Campos, Santos e Limeira, os direitos impactam 170 mil trabalhadores.
Essas novas garantias estão na lista do que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) chama de “cláusulas sociais emergentes”, motivadas pela adaptação do mundo do trabalho às mudanças da sociedade e do sistema produtivo. De acordo com José Silvestre de Oliveira, coordenador de relações sindicais da entidade, eles começaram a aparecer já em 2009 entre categorias com maior escolaridade e mais ligadas à classe média, como a dos bancários, e tendem a se estender pelas demais áreas.
Camila Veras Mota
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