Mundo se divide em torno dos direitos LGBT

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ministro dos Esportes russo deixou claro que quem revelar que é gay
durante os Jogos poderá infringir a lei homofóbica do país

Gays e direitos humanos
O mundo se divide entre opiniões e regras sobre os direitos dos homossexuais

As Olimpíadas de Inverno de 2014 só começarão em Sochi em 7 de fevereiro, mas já se tornaram um assunto controvertido. Na Rússia, ativistas denunciam corrupção, danos ao meio ambiente e a possível ameaça à segurança, praticada por islamistas nas regiões vizinhas. Entretanto, no plano internacional, as preocupações concentram-se num tema bem diferente: direitos dos gays.
A comunidade LGBT e seus aliados tornaram as Olimpíadas o foco de uma campanha contra a notória lei, sancionada pelo presidente Vladimir Putin, em 2012, que fala em "propaganda do homossexualismo". A lei pretende prevenir a pedofilia, pois tem como alvo a difusão de "orientações sexuais não tradicionais" entre menores. Mas, segundo críticos, sua linguagem é tão vaga que torna crime praticamente qualquer referência positiva à homossexualidade. Os ativistas ressaltam que atos de violência contra gays aumentam persistentemente desde que a lei foi aprovada, em meio a uma onda de retórica homofóbica expressa por várias personalidades russas.

Ativistas do mundo inteiro combatem essa afronta. Pediram um boicote à vodca russa. Organizaram protestos contra Valeri Gergiev, o regente do Teatro Mariinsky, de São Petersburgo, que se vangloria de seus laços estreitos com Putin. Eles pretendem enviar milhares de livros de colorir, sobre casamento gay, a endereços na Rússia. Alguns pediram que a Rússia seja impedida de ser sede dos Jogos Olímpicos. Outros divulgaram vídeos de intenso conteúdo emocional pela internet.

Como se a legislação antigay não bastasse, ela ocorre em um momento em que a Rússia parece embriagada de intolerância. Um clipe particularmente maldoso mostra, supostamente, crianças russas atormentando um adolescente negro gay, da África do Sul, forçando-o a comer melancia e a fingir fazer sexo oral com uma garrafa.

Putin já respondeu à enxurrada de publicidade negativa declarando que visitantes gays, por ocasião das Olimpíadas, não precisam se preocupar com a possibilidade de serem assediados (o que parece implicar, no mínimo, que ele não leva muito a sério as leis do seu país).

Mas, ao mesmo tempo, Vitali Mutko, o ministro dos Esportes russo, deixou claro que quem revelar que é gay durante os Jogos poderá infringir a lei (que dispõe de cláusulas específicas para estrangeiros). Supõe-se que muitos ativistas decidirão mostrar suas inclinações, transformando os Jogos numa arena de protestos. Os que simpatizam com eles não poderão criticá-los.

Existem várias indicações de que a briga em torno das Olimpíadas simplesmente dramatiza uma cisão muito maior e mais profunda entre as nações do Ocidente, nas quais os cidadãos estão se tornando cada vez mais tolerantes com os LGBT - e um grande bloco de outros países em que os sentimentos contra os gays se tornam cada vez mais arraigados.

Não me entendam mal. Não estou deixando de considerar as forças da intolerância que, sabe Deus, continuam fortes em várias partes dos EUA e da Europa. As tendências, porém, são claras: jovens ocidentais, com cada vez mais amigos LGBT, demonstram ser menos inclinados a demonizar seus colegas por suas orientações sexuais.

Um estudo realizado em 2011 sobre atitudes internacionais descreve claramente a evolução: de 1991 a 2008, o número de americanos que definiam a homossexualidade como "sempre errada" caiu de 67,4% para 53,6%. A mudança está cada vez mais expressa nas leis que punem a discriminação e reconhecem a igualdade de direitos civis, permitindo casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, a situação é muito diferente em outras partes do mundo.

Quando pesquisadores perguntaram aos russos, em 1991, se ser gay era "sempre errado", 58,7% concordaram. Em 2008, a porcentagem subiu para 64,2%. É difícil saber se o número poderá melhorar, considerando que a lei aprovada deverá criar problemas maiores para os LGBT russos que mostrarem abertamente sua sexualidade.

A influência política, cada vez mais destacada da Igreja ortodoxa russa, que propaga sem constrangimento sua posição homofóbica, é outro fator. Questiono se os russos mais jovens - que constituem a maioria nos comícios nacionalistas - serão necessariamente mais tolerantes do que os mais velhos.

O fato tem implicações mais amplas. Se os ocidentais continuarem acreditando que os direitos dos gays são apenas um subconjunto dos direitos humanos, isso nos levará cada vez mais para o conflito ideológico com os russos e com muitos outros países que consideram os direitos das minorias sexuais uma ameaça fundamental.

Para ser claro: o Ocidente está do lado certo do argumento. Os intolerantes não. E, se realmente nos importamos com os direitos humanos, devemos continuar nos importando, mas não devemos esperar que o resto do mundo concorde, o que poderia significar algumas escolhas políticas difíceis no caminho que temos pela frente. Fiquem ligados. 

Fonte: Estado de São Paulo, 18/11/2013, Caryl Christian, Foreign Policy, tradução de Anna Capovilla

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