Baila Comigo: Dança de Salão para o público LGBT

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Conheci Giovane Salmeron durante as comemorações do Dia do Orgulho Lésbico (19 de agosto) de 2006, quando ele ministrou uma aula de dança de salão para as participantes do evento, introduzindo-as nos primeiros passos do mambo e do bolero, culminando com um arretado forró. Após uma hora e meia de bailado, todas estavam suadas e exaustas, mas com sorrisos radiantes pela dinâmica e a diversão da atividade.

Em outubro de 2008, Giovane abriu seu próprio espaço em São Paulo onde também desenvolveu o Projeto Duco et Ducitur (do latim “conduzo e sou conduzido”) para o público LGBT. Como ele disse - e eu concordo -, "A Dança, enquanto prática social, nos dá a sensação de pertencimento e estabilidade de que tanto precisamos e merecemos."

Posteriormente, Giovane se mudou para Aracaju (SE), onde reside até hoje e, claro, continua dançando. Clique aqui para acessar sua página no Facebook ou aqui para lhe mandar um e-mail. Esperamos que Giovane retome o projeto que iniciou aqui em Sampa onde quer que permaneça morando.

Ao final da entrevista, a bela dança de duas mulheres no filme Tango (1998), de Carlos Saura, e a apresentação de um casal masculino no International Queer Tango Festival em Berlim (2011).

Míriam Martinho
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UOO:
Giovane, primeiro, um pouco de você, de sua formação. Qual sua idade, sua orientação sexual, sua formação acadêmica como dançarino ou arte-educador, quando começou a dançar...
Giovane Salmeron (GS)Sou paulistano, com família na zona leste da capital, mas há 12 anos vivo na região central da cidade. Nasci em 09 de março de 1978 e tive já as minhas histórias com as meninas, o que me fez amadurecer e completar, neste ano, 12 anos de relacionamento com outro homem, com quem a cada dia vivencio novidades (mas a dança ainda não o tocou...).

Sou Licenciado em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Pedagogo pela Universidade Ibirapuera e Especialista em Dança e Consciência Corporal pela FMU/SP. Na Dança, além da Pós-Graduação, me graduei no quinto nível da Royal Academy of Dancing of London – Ballet Clássico, por meio do Estúdio de Dança Marina Lambertti, na região do aeroporto de Congonhas. Na época, eu tinha 21 anos e, assistindo a um vídeo de Cats (o musical da Broadway) eu senti que, mesmo vindo de uma família que não valorizava a Dança, eu seria capaz de dançar e fui à luta.

O problema era conseguir uma bolsa de estudos, então, com as páginas amarelas na mão, fui entrando em contato com várias academias até que a Marina me aceitou. Sou muito grato à ela por essa atitude e por me incentivar a iniciar uma turma na época da Dança de Salão.

Com relação à formação em Danças Sociais, entre workshops, vídeos e eventos, tomei aulas na academia de Andrey Udiloff em Pinheiros (a quem sou muito grato apesar de os nossos projetos serem diferenciados) e no estúdio da Stella Aguiar (que além da gratidão foi e tem sido uma ótima parceira de trabalho). Quando do auge do Tango, tive aulas com Graziella (professora das domingueiras de Tango do Café Piu-Piu) e, claro, com muitos outros professores e estúdios em Buenos Aires.

Atualmente, sou professor de Danças Sociais particular, atendo grupos em domicílio, ministro aulas no Núcleo Criativo e atuo como Personal Dancer em São Paulo, interior, Rio de Janeiro e Buenos Aires.

UOO:  E qual sua trajetória na área de dança e mais especificamente da dança de salão? Que projetos já realizou?
GS: 
Na Dança de Salão, iniciei numa academia de Fitness, na rua Augusta, em São Paulo, que em muito me auxiliou no início da carreira, trabalhando posteriormente com grupos particulares na ECA/USP, Academia Movimento & Dança na Vila Buarque, Interlagos, UNIB (realizei em 2007 o 1º Retiro de Dança e Consciência Corporal que terá sua segunda edição em 2009), SESC Paulista, SESC Consolação (ambos em parceria com Stella Aguiar), Pricewaterhouse & Coopers (também numa parceria com Stella) e, agora, além dos particulares, tenho me dedicado ao meu Projeto mais antigo e atual, o Núcleo Criativo, no qual desenvolvo minhas pesquisas sobre condução e dança entre parceiros de mesmo sexo.

UOO:  Como você situa a dança de salão hoje em termos de gosto popular: abrange todas as faixas etárias ou é uma atividade mais dos apreciadores dos ritmos clássicos (forró, samba, bolero...)?
GS: As Danças Sociais, sob minha perspectiva, estão hoje divididas, basicamente, entre dois públicos: os jovens, que se apropriam da dança como linguagem e buscam uma virtuose técnica, competitiva, em que imperam os modismos (Forró Universitário, Salsa, Zouk e mais atualmente o Tango Eletrônico), e os adultos, de meia idade ou que passam pela melhor idade que, consideram a dança momento apropriado para a troca de idéias, para vivências saudosistas, seguindo a etiqueta e um código social mais tradicional.

De certa maneira, antes de lidarmos com a diversidade sexual, é preciso compreender que, a Dança de Salão, enquanto prática social, ainda é incipiente no Brasil e que, estamos agora, colhendo os frutos de 20 anos atrás, quando a Lambada incitou milhares à prática da Dança à dois e o interesse pelo aprendizado técnico.

Hoje, o panorama que se apresenta, reserva aos jovens uma performance por vezes exagerada, em detrimento da etiqueta, das regras sociais por eles consideradas antiquadas e aos adultos, mais tradicionalistas, o fardo do satirizado “Baile da Saudade”, onde se saúdam aos clássicos, em especial o Bolero, o Fox-Trot e a Valsa.

UOO:  Em outras atividades que mexem com o corpo, há necessidade de um certo condicionamento físico prévio. Você faz esse condicionamento em suas aulas? Pessoas de todas as idades podem dançar?
GS: O que costumo fazer, quando o grupo corresponde ao estímulo, é um aquecimento, acompanhado por uma música de prática, dentro da temática da aula, tratando de aquecer as articulações, alongar a musculatura e relaxar os pontos de tensão mais evidentes para favorecer a sintonia com a atividade. Costumo dizer que se deixa o mundo lá fora, desliga-se os celulares para curtir aquela única hora da semana que é só sua e de mais ninguém.

Quanto à faixa etária, não há limites. Quando recebo um novo aluno, trato de perguntar se há algum impedimento físico que limite a atividade ou se há uma predisposição à labirintite, o que limita os giros a serem realizados. No mais, tenho uma regra, sempre superestimar os meus alunos. Claro. Faço sempre mais do que eles acham que podem e utilizo informações rítmicas, visuais e sensoriais para auxiliá-los em sua superação.

UOO: Quantas aulas em média são necessárias para fazer bonito na pista? Qual o ritmo mais fácil e o mais difícil de aprender?
GS: No geral, com aproximadamente 03 meses de aulas ininterruptas, uma vez por semana, já estimulo os alunos à sair para dançar, em grupo. Com 06 meses, a base está firme e surgem as figuras intermediárias. Seguramente, após 01 ano assíduo de aulas, a segurança e a criatividade tornam-se prazer na dança.

Quanto à questão rítmica, as modalidades mais fáceis, ao contrário do que acreditam os aprendizes, são aquelas mais rápidas e frenéticas, recheadas de giros, como o forró, rock, e o soltinho, onde há mais possibilidade de improviso. Já o bolero, a rumba e o tango, por ter uma marcação mais definida, exigem mais paciência e concentração dos alunos. Quanto mais lenta a música, aumenta o desafio de manter-se em sintonia com o parceiro.

UOO: Quando decidiu iniciar um trabalho específico de dança de salão com a população LGBT?
GS:
 Quando em viagem a Buenos Aires, fui convidado à dançar por um senhor que ao final me apresentou a esposa. Neste momento pude perceber que, focalizando em novos objetivos que não a sedução, a busca de um parceiro sexual, a dança pode ser objeto de prazer entre duas pessoas de mesmo sexo. Iniciei então uma pesquisa e participei do 1º Festival Internacional de Tango Queer de Buenos Aires, em 2007, quando então pude perceber que o mundo está aberto à esta novidade, principalmente a Europa e América do Norte.

UOO: Existe uma diferença na abordagem da dança de salão para os casais homo e hétero?
GS: Sim. Em primeiro lugar, a questão social da condução. Homens são condutores naturalmente aceitos e mulheres, como na sociedade, devem ser conduzidas, orientadas.

Quando surge um casal homo, em primeiro lugar é preciso definir se há um condutor e um conduzido ou se ambos farão os dois papéis. Acho mais interessante a segunda opção, o que torna o trabalho mais demorado e instigante, uma vez que, a cada novo movimento, ambos terão de aprender as duas possibilidades condutivas.

UOO: Fale um pouco de seu Projeto Duco et Ducitur (do latim “conduzo e sou conduzido”), de como surgiu, de seu objetivo.
GS: Surgiu durante a elaboração do Projeto de Especialização em Dança e Consciência Corporal da FMU/SP, quando observei e pontuei práticas sociais de dança em São Paulo e Buenos Aires. Então, percebi a necessidade de ensinar aos casais homo a linguagem social da dança.

Outras iniciativas surgiram por parte de outros profissionais, mas creio que os problemas e o êxito desta atividade está na integração dos casais depois do aprendizado. Eles participam das aulas assiduamente, mas na hora de dançar de fato, em locais apropriados, não se sentem aceitos, impelidos, apoiados.

Por exemplo, um puxão de orelha nas meninas que freqüentam o Café Vermont Itaim: há nessa casa uma das pistas mais aconchegantes que já vi. Durante a apresentação das bandas, com hits dançantes, a pista fica vazia. Apenas quando o DJ executa a seleção eletrônica é que a pista ferve. Por que motivo? Desta maneira, vamos sedimentando a idéia de que gay só curte Tecno, Bate-estaca, o que não é verdade.

Quando observamos os rapazes que freqüentam o ABC Bailão, percebemos que, sob o pretexto da música eletrônica, muitos deles se deixam embalar pela dança a dois durante as seleções de Forró, Bolero, Vanerão, Rock e Samba, oferecidas pela casa.

O Projeto Duco et Ducitur, vem possibilitar não apenas uma revisão metodológica do ensino da dança, mas a prática em locais reconhecidos, por meio da inserção destes casais nos espaços tradicionalmente direcionados à dança de salão, ensinando a linguagem corporal da dança contextualizada aos espaços onde ela de fato acontece.

UOO: Em outubro deste ano (2008), você inaugurou seu espaço de trabalho Núcleo Criativo Giovane Salmeron em São Paulo. Qual a proposta desse espaço, além da promoção da dança de salão naturalmente?
GS: 
Oferecer a possibilidade de aprendizado das Danças Sociais sob a perspectiva da Diversidade, ensinando homens e mulheres ambos os papéis condutivos na Dança, estimulando a troca de papéis e o desenvolvimento de novas movimentações baseadas naquelas já tradicionais. Além disso, realizar encontros, workshops, práticas e claro, propiciar a sociabilização dos alunos.

UOO: Além do trabalho no Núcleo Criativo, que outros projetos você vem desenvolvendo e que pretende encaminhar em 2009?
GS: 
Como disse, sou Personal Dancer (profissional contratado para dançar com aqueles que não possuem um par fixo ou querem treinar a linguagem da dança) e à cada dia tenho ampliada a minha gama de clientes e destinos, entre eles Rio de Janeiro, Vitória, Buenos Aires, Capital e interior, além de eventos e navios temáticos voltados ao público dançante. Ainda que apenas 01 deles seja homem, espero que outros parceiros surjam durante a minha trajetória.

Em 2009, pretendo oferecer no Núcleo Criativo, workshops, espaços para discussão sobre diversidade, dança e sociedade, projeção de filmes temáticos, debates e claro, muita prática de dança. Além disso, organizar o 2º Retiro de Dança e Consciência Corporal, repetindo o sucesso da primeira edição em 2007.

Além disso, à cada dia estimular mais e mais casais homoafetivos a desenvolver a técnica e o prazer pela dança a dois ou a duas.

UOO: Você declarou em artigo que os casais de mesmo sexo já vem sendo aceitos com mais naturalidade em espaços de dança de salão convencionais. Poderia citar alguns deles não só em São Paulo como em outras cidades?

GS: 
Naturalidade é a palavra que utilizei por fazer parte do grupo e ter muita firmeza em impor a minha presença nestes locais. Está claro que, em todos eles, no primeiro momento, há um impacto (muito mais freqüente quando dançam dois homens juntos), mas que, como costumo dizer, dura 05 minutos ou duas músicas (é o tempo que leva para aqueles que estavam no bar ou no banheiro retornar e reiniciar a discussão).

Em São Paulo, locais como as domingueiras do Clube Homs, organizadas pela figura simpática de Nayah, o Havana Club, o Café Vermont Itaim, o ABC Bailão, o União Fraterna, são locais onde já estive e claro, guardadas as proporções, superei os 05 minutos.

É difícil, não vou ocultar a verdade. Numa dessas casas, a mais badalada, onerosa e requintada, tentaram nos fazer parar e sair. Conversando com superiores, fomos convidados a permanecer e, infelizmente, a gerência da casa foi substituída. Utilizei-me, em email de agradecimento à Gerência Geral do estabelecimento, da lei Nº 10.948, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2001 e por fim o funcionário foi demitido. Não era a minha intenção, mas de fato, não busco tolerância, busco respeito. Se tiver de ser assim, assim será.

UOO: Você conhece outros trabalhos análogos ao seu em outras cidades brasileiras que pudéssemos indicar?
GS: 
Sei que no nordeste, em especial Bahia, há muitos pesquisadores envolvidos com questões afins, mas não há ainda uma proposta que una pesquisa e metodologia numa única empreitada. Em São Paulo, há academias que se propõe à receber casais homossexuais em condições especiais, porém há sempre a questão de onde dançar depois do aprendizado.

A minha busca não está apenas no ensino, está na contextualização. Nós somos o “novo”, a “novidade” há muito tempo. Agora é hora de sermos apenas parte da realidade. Dentre os objetivos do Projeto Duco et Ducitur, estão as ações educativas direcionadas aos estabelecimentos voltados às Danças Sociais, para a recepção de casais homoafetivos e troca de papéis condutivos. Planejo para 2009 a distribuição de uma cartilha que versará sobre etiqueta na dança e respeito às paridades diferenciadas.

Quanto às iniciativas voltadas ao público LGBT, cito o Festival Internacional de Tango Queer, que acontece em Buenos Aires durante o segundo semestre (entre novembro e dezembro), que teve a sua segunda edição entre 01 e 07 de dezembro de 2008 e tem gerado uma série de outras ações não apenas na Capital Argentina, mas na Suécia, Austrália, Japão, Canadá, Reino Unido, Holanda e Estados Unidos. No Brasil, (ainda) não há repercussão, devido à resistência dos latino americanos a aderirem ao movimento. Na edição de 2007, apenas 01 latino americano (eu) figurava entre europeus, canadenses, japoneses e americanos.

UOO: Por fim, Giovane, deixe uma mensagem para nossas leitoras e leitores. E muito obrigada pela entrevista.
GS: 
Como mensagem, tenho em mente a imagem do encontro realizado junto a Um Outro Olhar no prédio da Ação Educativa, na Consolação, em 19 de agosto de 2006, quando mulheres de muitas cores, muitos anseios e muitos amores se reuniram para dançar, para extravasar, para viver. Espero encontrá-las em breve, para o despertar de novas possibilidades, de novos desafios e descobertas.

A Dança, enquanto prática social, nos dá a sensação de pertencimento e estabilidade de que tanto precisamos e merecemos.Pense nisso! Dançar não é o bastante. Tolerar não é o bastante. Amar o próximo, talvez o seja. Um forte abraço!



4 comentários:

  1. Adorei a entrevista e tenho ceteza que o trabalho do amigo Geovane será expandido por todo o mundo, torço muito por ele. E acretido tbm que a oportunidade é a chave do sucesso. Sou bailarino com formação clássico e como ninguem sei como a dança masculina é discriminada, mas nao perco a esperança somos e fazemos a diferença. Boa sorte para todos vcs. bjs dançantes Clayton Alves Especialista em Dança, ed. Físico e dança com cadeira de rodas. contato: clayton.dance@gmail.com tel 011 8488 2977

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  2. muito boa sua entrevista. vou entrar em contato para perguntar como andam seus projetos. obrigada

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  3. Me chamo Carolina e me Especializei em Dança e Consciência corporal com o Giovanne. Sou suspeita em comentar sobre o Giovanne, pois só o conhecendo para saber a sua real força e carinho que o mesmo trata a Dança como Arte-Espetáculo e vida... Jamais ficaria surpresa em saber que seus trabalhos, projetos e anseios fossem um VERDADEIRO SUCESSO! Parabéns pela entrevista e pelo carinho que você sempre trata a Dança Sucesso. Profa. Esp. Carol Macedo Costa.

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  4. Olá a todos Antes de fazer meu comentário sobre esta entrevista, gostaria de dizer que há dois anos contratei o serviço de personal dancer do Giovane e logo depois tornei-me sua aluna. Durante todo este tempo pude acompanhá-lo em seus projetos e sentir a motivação, a dedicação e o carinho com que ele lida com este assunto - o seu preferido. Apesar de eu não ser gay, sou solidária aos seus anseios. O que ele propõe é uma quebra de paradigma, pois não basta a dança entre os casais do mesmo sexo num lugar específico para isto, mas sim, esta dança em salões tradicionais... Isso é humano, é bonito, é ímpar. Admiro seu trabalho e seu projeto. Quem tiver sensibilidade entenderá que a chance para mudanças surgiu, pois teve uma pessoa com coragem, determinação e garra que se empenhou por completo nesta causa. Costumo chamá-lo de o "bandeirante da dança para a diversidade". Será difícil, mas ele vencerá. Já está quebrando barreiras. Resta aos interessados utilizarem o caminho aberto... Giovane, torço por você, por vocês! Abraços Telma de Carvalho

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